Memória da Audiência Pública

MEMÓRIA

Audiência Pública DIREITO DAS MULHERES À NÃO DISCRIMINAÇÃO RACIAL E DE GÊNERO

1. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, no âmbito do Procedimento Administrativo nº 1.00.000.014485/2010-43, cujo escopo contempla o planejamento estratégico de acompanhamento do tema dos direitos das mulheres, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, abriu a Audiência Pública sobre políticas e ações públicas de promoção do direito das mulheres à não discriminação, racial e de gênero, na Comunicação e na Educação. A Audiência teve seu início adiado das 9:00 para as 14:00 h, no dia 07 de dezembro de 2011, auditório do Conselho Superior do Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República - SAF Sul, Quadra 04, Conj. C, Bloco A, cobertura – Brasília/DF.
2. Convidados, o Ministério das Comunicações e a Secretaria de Políticas para as Mulheres não puderam comparecer. Além destes dois convidados, uma das palestrantes não pôde estar presente por motivo de saúde. Por estas razões, o programa da Audiência foi condensado e realizado no período da tarde. Registre-se a presença de representante do Cfemea, em atenção a convite da PFDC, na parte da manhã.
3. Na abertura, a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão reiterou o objetivo da Audiência, conforme o Edital, qual seja, “instruir a sua atuação e a dos Procuradores e das Procuradoras dos Direitos dos Cidadãos pela efetivação dos direitos das mulheres, em especial à não discriminação de gênero e racial, uma das matérias que elegeu como prioridade para os períodos 2008/2010 e 2011/2012, reunindo subsídios de instituições públicas, pesquisadores e organizações da sociedade comprometidas com a promoção de políticas públicas educativas e de comunicação social a favor do respeito aos direitos das mulheres à não discriminação”. As representações ao Ministério Público Federal relativas a preconceitos e discriminação nos meios de comunicação, tomadas em seu conjunto, reforçam a importância das políticas públicas de promoção do respeito ao direito humano à não discriminação, contrárias aos preconceitos e estigmas, não obstante as ações protetivas adotadas caso a caso, extrajudiciais e judiciais. No plano da atuação extrajudicial e da tutela coletiva cabe à PFDC zelar e contribuir para a efetivação de direitos que dependem da produção de políticas públicas e ações de implementação realizadas pelos responsáveis nos entes federativos, sempre com a participação da comunidade e sob controle social. Considerando que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, § IV da CF); assim como os tratados pertinentes ao tema e a legislação nacional correlata.
4. Iniciando a Audiência, a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão agradeceu a presença de todos, informou que a audiência estava sendo gravada e veiculada para membros do MPF em todo o Brasil e convidou a representante do Ministério da Educação, Sra. Éricka Pisanesch, Diretora de Políticas de Direitos Humanos e Cidadania para trazer suas considerações sobre o tema “Ações pela promoção do respeito aos direitos das mulheres à não discriminação na Educação”.
5. A Diretora de Políticas de Direitos Humanos e Cidadania, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, a SECADI, do Ministério da Educação - MEC, cumprimentando a todas/os, agradeceu a oportunidade, em nome do MEC, de falar sobre as ações pela promoção do respeito aos direitos das mulheres à não discriminação na Educação.
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, a SECADI, no MEC, tem por objetivo contribuir para a redução das desigualdades educacionais, envidando esforços para garantir a participação de todos os cidadãos brasileiros em políticas públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação de qualidade. Nesse sentido, é de nossa responsabilidade implementar políticas, programas ou as ações que pautem o respeito aos direitos humanos e a valorização da diversidade em suas várias formas. Então, o tema aqui é gênero, relações étnico-raciais e de gênero, mas também faz parte das politicas e ações dessa secretaria aquilo que envolve a educação especial inclusiva, a alfabetização de educação de jovens e adultos, a educação no campo, indígena, relações étnico-raciais, educação ambiental e educação em direitos humanos. E entendemos que a questão de gênero tem sim suas particularidades e ações especificas, mas também é um tema transversal, isto é, quando falamos em educação inclusiva estamos falando de mulheres com deficiência, ou no que se desenvolve com relação à educação indígena e assim por diante. Como o próprio Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), o 2º, menciona,“...para garantir que todas as mulheres sejam respeitadas em seu direito à educação, há que se combater não apenas a discriminação de gênero, mas todas as outras formas de discriminação, seja geracional, étnico-racial, por orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outras – que as afetam e interferem não apenas no acesso, mas também no seu desempenho escolar.” Este é um ponto, outro ponto é que a gente também vai conversar um pouco aqui e eu vou destacar nas nossas ações é o papel fundamental que tem a educação nas mudanças culturais necessárias para que a sociedade brasileira seja de fato igualitária. Eu trago o II Plano nacional de Políticas para as Mulheres porque é uma de nossas referências na elaboração, na implementação das ações do MEC, com relação a igualdade de gênero.
Eu vou destacar por volta de de dez (10) ações. Quatro (4) relacionadas à dimensão cultural, a educação, por volta de quatro (4) com relação a escolarização, alfabetização e profissionalização, e por volta de duas educação para os filhos que diz respeito, está extremamente vinculado à autonomia das mulheres. Com relação à dimensão cultural, o MEC, em parceria com as Universidades Federais, então, fomenta a educação para a promoção para a igualdade de gênero, étnico-racial e o reconhecimento da diversidade sexual, a partir da formação continuada de professores. O que se deseja: um professor mais fortalecido para o enfrentamento à discriminação na escola, seja ela de gênero, de orientação sexual ou com relação a raça e etnia. Os nossos cursos são na modalidade de extensão, aperfeiçoamento, especialização, cursos presenciais e a distância. Eu vou destacar dois principais, um curso denominado Gênero e Diversidade na Escola – GDE, que também conta com a parceria da SPM e da SEPPIR, e o outro é o Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça. São cursos para professores, mas também abrimos um certo quantitativo de vagas para a demanda social, para conselheiros de direitos ou para a rede de proteção social. Com relação ao GPPGER, que é o Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, para que a gente também trabalhe os gestores para a importância dessa mudança cultural e de que essas questões sejam trabalhadas no sistema de ensino e cheguem na escola. A nossa grande estratégia, então, é a formação continuada de professores. De 2008 a 2011 foram por volta de 50.000 vagas, num total de cursos. Esses são cursos bem específicos, GPPGER, Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, mas temos também outros cursos em que há a inserção transversal da temática de gênero, nos cursos de formação, em outros cursos, mas também nos materiais didáticos que são elaborados. Nos programas de Ações Afirmativas para a População Negra, o UNIAFRO, a Educação para as Relações Étnico-raciais, o UNIREL, ou mesmo os programas que têm como foco a educação em direitos Humanos. Quando a gente vai tratar da educação em direitos humanos a gente está tratando também de toda essa temática.
O Escola que Protege são cursos, são projetos, também em parceria com as universidades e ele tem como objetivo também, além daquilo que diz respeito ao ECA, a inserção de outras temáticas, o respeito à diversidade sexual, a temática de gênero, etc. Então são cursos com um forte potencial para a promoção dos direitos das mulheres.
No ano de 20011, uma ação muito importante, foi instituída a Comissão Interinstitucional para elaborar um texto, que passou por consulta pública e contou com a contribuição de diversos colaboradores, sobre as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos. Esse texto foi para consulta pública, deve passar pelo pleno do Conselho Nacional de Educação – CNE, seguir para homologação do Ministro e imaginamos que isso deve acontecer no início de 2012. Qual é o objetivo: orientar o sistema de ensino, uma diretriz nacional para que a educação em direitos humanos seja incluída no projeto pedagógico das escolas, para a afirmação de valores, a solidadriedade, justiça social, participação cidadã, respeito e valorização da diversidade, equidade com relação a gênero raça e etnia. Levando para as escolas uma cultura de direitos humanos a gente também está trabalhando as temáticas especificas, de gênero, de raça, das etnias, e é isso que se pretende com a publicação das diretrizes nacionais; porque esse é um esforço que envolve Governo Federal, Estados e Municípios e a gente tem que mudar uma cultura que faz parte se reflete no sistema de ensino, que faz parte do sistema de ensino. E a escola certamente tem um forte potencial de criar novos valores. Na escola se reproduzem valores que vêm da sociedade mas também existe um potencial muito importante da disseminação e de novos valores.
Com relação ainda às ações que dizem respeito a trabalhar o elemento cultural, aquilo que tradicionalmente é transmitido, no Programa Nacional de Livro Didático, como em outros programas de aquisição de livros e a distribuição seja para o estudante, seja para as bibliotecas de escola, seja para o sistema de ensino, as temáticas de direitos humanos, as temáticas de igualdade de gênero têm sido inseridas como critérios de avaliação ou como orientação para que esses temas sejam contemplados nos editais publicados pelo Ministério da Educação. Então o O PNLD, Programa Nacional de Livro Didático, eu trago aqui como um programa exemplar mas a gente pode também reconhecer essa iniciativa do MEC nos demais programas de sua responsabilidade com relação aos livros didáticos. O PNLD visa a subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleção de livros didáticos aos estudantes da educação básica. Então, é feito um edital, feito um processo de avaliação e seleção dessas obras didáticas, e o que foi incorporado como critério de avaliação desses livros, no que diz respeito à temática de gênero, é que se deve considerar a promoção positiva da imagem da mulher e a não violência. Isso entra como um dos critérios.
Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero. Vou falar bem rápido dessa ação mas ela é importante porque o MEC tem, também em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, MCT, CNPQ e ONU Mulheres, um prêmio que está na sua 7ª Edição e que visa construir a igualdade de gênero na escola. Ou seja, a gente estimula e fortalece a reflexão pública e a pesquisa acerca das desigualdades de gênero em nosso pais com um concurso de redação para estudantes de ensino médio e também seleção de projetos educacionais de ensino médio - porque também a escola pode ser premiada-, ou mesmo artigos científicos envolvendo estudantes do ensino médio. Os prêmios são importantes porque mobilizam os estudantes da pós-graduação, os estudantes do ensino médio e as próprias escolas e sistemas de ensino. Nas últimas edições do premio nós tivemos 15.000 (quinze mil) inscritos e já estamos na sétima edição, sete anos.
Como eu falei, nossas ações se pautam no II PNPM, mas também no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que é de 2006, nas deliberações e moções da Conferência Nacional de Educação, de 2010 , e encontramos no Projeto de Lei nº 8035/10, sobre o Plano Nacional de Educação - as nossas metas de 2011 para 2020 -, também expresso ali o compromisso do Ministério da Educação com ações e iniciativas com relação à igualdade de gênero.
Falei então que trataria das ações, divididas em quatro eixos: a dimensão cultural, agora a escolarização, a alfabetização e a profissionalização. Destacamos, então, o Programa Brasil Alfabetizado, que tem por objetivo contribuir para a universalização do ensino fundamental, promovendo apoio as ações de alfabetização de jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios. Como é que ele funciona: há transferência de recursos financeiros, em caráter suplementar, aos entes federados que fazem a adesão a este Programa para desenvolver as ações de alfabetização. De 2008-2011 foram 3 milhões de mulheres atendidas, o que corresponde a 56% do total de pessoas atendidas no Programa. Isso vai ao encontro da meta do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, o que se pretendia atender nesse período era por volta de três (3) milhões de mulheres. Destaque também para o Programa Nacional de Inclusão de Jovens, o Pró-jovem Urbano. Qual é o objetivo desse programa: elevar a escolaridade visando à conclusão do ensino fundamental/EJA, integrado com qualificação profissional inicial e com o desenvolvimento de ações comunitárias, com exercício de cidadania, em forma de curso. Um curso que dura 18 meses. O programa atende então jovens de 18 a 29 anos, que saibam ler e escrever, então não são os não alfabetizados, são os que já sabem ler e escrever, 18 a 29 anos, e não têm o ensino fundamental completo. Até 2010 uma média de 66% do público atendido pelo Pro-jovem foi de mulheres. Também o Pró-jovem Campo, ou denominado Programa Saberes da Terra, que visa a fortalecer e ampliar o acesso e a permanência de jovens agricultores familiares no sistema formal de ensino. É também desenvolvido em parceria com os estados e municípios e de 2008 a 2011 estão em processo de escolarização 3 mil mulheres. No Plano Nacional de Políticas para as Mulheres existe essa prioridade: “ampliar o acesso e a a permanência na educação de grupos específicos de mulheres com baixa escolaridade”. Por fim, nesse eixo, o Programa Mulheres Mil, que tem por objetivo a profissionalização de mulheres em situação de vulnerabilidade social; acesso à educação profissional, emprego e renda. O Mulheres Mil entra no programa Brasil Sem Miséria, articulado então com a meta de erradicação da pobreza extrema, do governo federal. São projetos locais ordenados de acordo com as necessidades de profissionalização da comunidade, segundo a vocação econômica regional. Também utilizamos a Rede de Institutos Federais de Ensino Profissional e Tecnológico. De 2008-2010 foram 1.200 mulheres, porque foi um projeto piloto. E a partir então de 2011 ele passa a ter uma abrangência nacional, estimativa de atender 10 mil mulheres, com cursos, como já falei, determinados pela demanda social e com a formação continuada de educadores. É uma proposta para 2012, que aqueles cursos de formação continuada, que eu disse lá no início, também sejam ofertados para aqueles que fazem parte da equipe do Programa Mulheres Mil.
Por fim, achei importante também trazer aqui, para essa discussão, a principal ou as principais ações relacionadas à educação para os filhos, porque esta é uma demanda bastante importante que diz respeito à autonomia das mulheres para a inserção no mercado de trabalho, por isso que eu trago essas duas ações. O carro-chefe é o Pró-infância, que é o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil , que tem por objetivo ampliar então o acesso à educação infantil. Nós vamos ter aqui o IBGE que certamente vai trazer os dados e também o INEP, mas na PNAD de 2009 temos o dado de que 18,4% das crianças de 0 a 3 anos tinham acesso a creches e 81,3% a pré-escola.
Então, o que o Pró-infância objetiva: criar condições, junto ou em parceria com os municípios, para ampliar o acesso à educação infantil. A caracterização do pró-infância: a transferência de recursos para os municípios e o Distrito Federal para financiar a construção de unidades escolares infantis e quadras poliesportivas. De 2007 a 2011, já tivemos convênios firmados com municípios para construção de 2.528 unidades escolares. E de 2011 a 2014 a meta é a construção de 6.000 creches. Essa também é uma ação prioritária do Governo Federal, foi inserida no Plano de Aceleração do Crescimento II, o PAC II, e, associada a ela, é importante mencionar, existem investimentos também crescentes, ao se aumentar o número de unidades a gente também aumenta os recursos para a manutenção dessas unidades. O Pró-infância corresponde ao Decreto nº 533, de 2011, que prevê já a transferência de recursos para os municípios, para que essas creches, assim que estejam prontas e em funcionamento, já recebam recursos para custeio. Na verdade é assim, a creche pode estar pronta e até que seja registrada a matrícula dessas crianças no censo escolar a gente teria um tempo de defasagem para que os municípios recebessem os recursos do FUNDEB. Então o decreto 533 vem prover recursos direto para as unidades de ensino, até que elas sejam incluídas no censo escolar e ai então recebam os recursos do FUNDEB, que são recursos para custeio, para manutenção dessas creches. Além disso, não podemos esquecer que o PDDE também investe recursos direto para as unidades de ensino, e que também vai haver um acréscimo desses recursos, acompanhando as 6 mil unidades que serão instaladas. E,também, o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Lembrando que no PNE - a proposta do PL 8035/10-, temos uma meta: universalização do atendimento escolar da população de 4 e 5 anos 11 meses, até 2011, e ampliar a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população até 3 anos, até 2020. Porque o destaque? Porque mais uma vez o MEC reafirmando seu compromisso com a universalização da educação infantil, daquela forma: até 2011 a universalização de 4 a 6 anos, a pré-escola e 50% até 2020, faixa etária de 0 a 3 anos.
Muito obrigada, Dra Gilda, pela oportunidade e estou aqui para os debates posteriores.
6. Perguntas:
1ª. Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra Gilda Carvalho: A gente vê os planos, programas e as ações que são produzidas ao nível do MEC como politicas para as mulheres muito bem expostos na apresentação. Gostaria de saber saber sobre o monitoramento dessas ações e programas.
2ª. Procuradora de Justiça do Estado de Pernambuco, Dra. Maria Bernadete M. de Azevedo Figueiroa - Procuradora de Justiça – MPE/PE. Coordenadora do GT – Racismo. Cumprimento a todos/as presentes e a professora Éricka pela sua exposição e informações importantes para todas/os. Mas no meu Estado, Pernambuco, como Procuradora de Justiça eu coordeno o GT de Combate ao Racismo, desde 2002, e a nossa meta prioritária, que foi colocada pelo movimento social negro de Pernambuco, é a implementação da lei 10.689, que cuida da educação para as relações étnico-raciais, e a grande demanda dos municípios, quando os promotores procuram os gestores municipais para implementar a lei, é justamente a ausência das secretarias de educação, de uma política estadual voltada para a implementação da lei, e a dificuldade de capacitação dos professores; porque a gente propõe nos termos de ajustamento de conduta que os gestores municipais capacitem os professores, propõe prazos etc. Nós temos articulado muito com as universidades em Pernambuco e temos percebido que não há uma articulação para formação inicial do professor e nem formação continuada. Pelo menos nas faculdades públicas. Em Pernambuco, pelo menos, não existe. Apenas na Universidade Rural tem um Grupo de Estudos Afro-brasileiros, que agora começou a fazer um trabalho por um esforço, digamos assim, imenso de um grupo restrito de professores, que está à frente do NEAB. Não existe uma política institucional nas Universidades Públicas e muito menos nas particulares de formação inicial e continuada. A senhora falou de parceria com as universidades em formação continuada. Então eu queria saber como se dá essa parceria, porque lá em Pernambuco não me consta. É somente para que a gente possa chegar lá com algumas informações, que talvez a gente não tenha. Porque formação inicial eu sei que existe, agora a senhora falou que existe a continuada.
7. Respostas: Sra Éricka Pisanesch - MEC.
1ª. O monitoramento. Dra Gilda, quanto às metas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, é feito o monitoramento pela própria Secretaria de Políticas para as Mulheres, e com relação àquelas aquelas ações do MEC que dizem respeito a essas metas, nós fazemos o monitoramento por meio da Diretoria de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, a Coordenação de Direitos Humanos, e prestamos conta, fazemos o acompanhamento sobre essas metas. Porque eu falei de diversas ações, certamente aquelas ações que dizem respeito às metas do governo que estão estão nos Planos como o de Erradicação da Miséria ou o PAC, são metas sempre acompanhadas pelo Ministério da Educação, mas também metas que deverão ou são acompanhadas em parceria com outros Ministérios, ou mesmo, no PAC, temos grupos coordenados pela Casa Civil. Então, o Governo Federal monitora naquilo que diz respeito a suas metas. Agora, é sempre importante reafirmar que temos um sistema de ensino e tudo é feito em parceria. Quer dizer, se temos a meta do Pró-infância, a participação dos municípios é fundamental, porque o Governo Federal pode criar todas as condições e a gente tem que estar ali num trabalho muito corpo a corpo com os municípios, de suporte, e com a adesão também dos municípios, para que essas ações se concretizem e se realizem lá na ponta. De uma maneira geral, é isso para todas as nossas ações.
2ª. Com relação à formação continuada, que é a pergunta da Procuradora Bernadete, os cursos de formação continuada, da Rede Diversidade, como nós nomeamos, da SECADI, eles eram ofertados por meio de editais públicos, resoluções e editais via FNDE, em que as Universidades se credenciavam e faziam, então, a oferta. Nós vamos ter mudanças a partir do ano que vem, isso está sendo revisto no MEC, a rede de formação para os professores. A gente vai passar a ter um fluxo de demanda vindo da escola, passando por uma discussão local com as Universidades, dai, então, uma negociação com as universidades daqueles cursos que serão ofertados, e isso é uma mudança bastante importante, porque você traz então os sistemas de ensino e a própria escola no engajamento daquilo que é a demanda local, na identificação daquilo que é necessário levar para a formação do professor, que o sistema de ensino está necessitando, então o fluxo sera invertido. Não só uma proposição do MEC e da Universidade que tinha cursos que eram ofertados, mas sim, agora, uma demanda identificada das escolas e dos sistemas de ensino e as universidade se adequando a essas demandas e o MEC, por sua vez, fomentando para que esses cursos ocorram. Então, a partir de meados do próximo ano, vai ser publicado um catálogo de cursos, que é a possibilidade, e todo esse fluxo construído, certamente divulgado, trabalhado junto ao sistema de ensino para ser detectada, então, a demanda, e a realização dos cursos de formação continuada.
8. Comentários dos participantes:
1º. Frei David, Coordenador da Rede Educafro: Somos coordenadores de uma rede de pré-vestibular para negros chamada Educafro, que está em vários lugares do Brasil. Parabenizar então o MEC por essa exposição, eu estava ouvindo as explanações, mas também dizer da importância da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos em organizar esse seminário, que para nós é um problema urgente e necessário. Eu tenho certeza que a nossa procuradora Gilda vai também ter como desafio, no coração dela, colocar na instituição a missão de discutir também cota para negros, para procurador, porque, com alegria, sabemos que a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro já adotou cota para negros, no próximo concurso para procurador. Foi uma luta suada, várias reuniões, mas conseguimos essa vitoria no Rio de Janeiro. E dizer, com certa tristeza, partilhar com vocês, estamos chegando agora do Senado, eu e vários militantes que estão aqui, onde, infelizmente, de maneira violenta, com muitas tensões e muitos choques, o Senado mais uma vez mandou botar na gaveta o projeto de cotas para as universidades federais. Eu deixo com a procuradora um resumo do que aconteceu no Senado hoje, se a senhora quiser pode mandar tirar copia para todo mundo, e concluo dizendo que o Brasil vive um momento especial. Primeiro já são 184 universidades públicas que adotam cotas para negros, branco pobre e indígenas, especialmente porque essas universidades decidiram enfrentar uma coisa que no Brasil é muito mal compreendida na minha opinião, que é a meritocracia. E agora, para minha surpresa, a defesa nossa da meritocracia, defesa nossa de 1999, e fomos rejeitados e humilhados em nossa defesa, apareceu agora um livro de um professor de Harward, que ele acaba de lançar, discutindo meritocracia moral e meritocracia imoral. Ele defende que a maioria das universidades do mundo praticam a meritocracia imoral. Eu recomendo esse livro pra todo mundo, o nome dele é Michael Sandel, o titulo é Justiça, e eu vou, então, deixar com a senhora a copia do relatório e acho importante que todos tenham copia também do que aconteceu lá no Senado hoje.
9. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra Gilda Carvalho, agradece a participação da representante do MEC e dos demais, informando que o documento apresentado por Frei David será reproduzido para os presentes. Indaga se a Diretora Éricka gostaria de fazer esclarecimentos ou comentários adicionais e dá início à exposição seguinte, convidando à Mesa a Relatora Nacional da Plataforma DHESCA Brasil para o Direito Humano à Educação, Denise Carreira.
10. Exposição: Gênero, Racismo e Educação no Brasil. Denise Carreira – Relatora Nacional para o Direito Humano à Educação – Plataforma DHESCA Brasil. A Relatora parabeniza a iniciativa da PFDC, da Dra Gilda Carvalho, “uma inciativa tão importante para nossa democracia”. Agradece também a parceria da PFDC com a Relatoria Nacional de Educação e reforçar a expectativa que deste encontro possam surgir propostas concretas que permitam o avanço da agenda de gênero e raça no Estado brasileiro.
Eu vou falar um pouco sobre as questões de gênero e raça na educação. Em primeiro lugar, trazer para vocês o que são as Relatorias Nacionais de Direitos Humanos1. Então em 2002, inspirado pela experiência dos Relatores Especiais da ONU, o Brasil foi o primeiro pais a criar Relatores Nacionais de Direitos Humanos, com apoio também de agências da ONU no Brasil. A iniciativa se deve a uma articulação de sociedade civil chamada Plataforma DHESCA Brasil e essas relatorias contam com o apoio formal da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Nós somos atualmente cinco Relatores Nacionais e eu respondo pela área de educação, nós temos também de saúde, alimentação e território, meio ambiente e direito às cidades. Nós seguimos a metodologia dos relatores especiais da ONU, produzindo relatórios e investigações independentes sobre violações dos direitos humanos no Brasil, em cada uma dessas áreas. Os relatores são eleitos por meio de edital público para um mandato de dois anos. E a partir da experiência brasileira, é importante colocar, já foram criadas outras relatorias nacionais, em países sobretudo da Ásia.
A Relatoria da Educação no momento está concluindo um relatório sobre educação e racismo no Brasil, do qual fizeram parte missões a sete estados brasileiros sobre intolerância religiosa nas escolas públicas, principalmente contra adeptos de religiões de matriz africana; educação quilombola, que nós estamos concluindo e racismo no cotidiano escolar. Nós já realizamos no passado outras missões ligadas a educação no sistema prisional brasileiro, educação e violência armada, educação indígena e também concluímos um Informe chamado Gênero e Educação no Brasil que também vamos abordar rapidamente aqui..
Bases da Apresentação - Quais são as bases para essa rápida apresentação que a gente vai trazer para vocês e para a procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, as bases da nossa apresentação aqui, quais são os documentos de nossa referência: a) o nosso Informe preliminar e o Relatório, que já falei para vocês, que nós estamos concluindo, sobre educação e racismo; b) o Informe Gênero e Educação, que concluímos em outubro desse ano e que foi apresentado à Comissão Interamericana da OEA, em Washington; c) a apresentação também que a relatoria fez em audiência pública no STF sobre a importância das ações afirmativas no ensino superior e d) ações, pesquisas e materiais que nós estamos produzindo como parte, que eu também sou coordenadora de educação uma organização chamada Ação Educativa, que tem todo um um trabalho no campo de educação e relações raciais, e nesse trabalho se destaca uma publicação chamada Indicadores Escolares de Qualidade Educacional, com foco nas relações raciais, um material que nós estamos agora fazendo a testagem final para divulgação mais ampla.2
Desafios brasileiros. Resumindo aqui o diagnóstico, quais são os principais desafios que nós chamamos a atenção tanto no Informe Gênero e Educação quanto nos outros relatórios que abordam as questões ligadas ao racismo, quais são os desafios que a gente destaca:
  • as desigualdades persistentes entre as mulheres brasileiras na educação. Então nós tivemos sim avanços nos indicadores de acesso e desempenho, mas marcados sempre por desigualdades entre mulheres de acordo com a renda, raça e etnia e local de moradia (rural e urbano), com destaque para a situação das mulheres negras e indígenas;
  • a situação de pior desempenho e de maiores obstáculos para permanência na escola por parte dos meninos brasileiros, em especial, dos meninos e jovens negros, entendendo também como parte da problemática de gênero e raça no Brasil;
  • a manutenção de uma educação sexista, racista, homofóbica e discriminatória no ambiente escolar;
  • a concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas femininas”, com destaque para a situação das mulheres negras em carreiras menos valorizadas socialmente;
  • a baixa valorização das profissionais de educação básica, categoria que é constituída quase em 90% por mulheres, e podemos aqui afirmar também, levando em conta nossas experiências tanto na Relatoria quanto na ação educativa, que quanto mais negra e pobre é a comunidade, mais precárias são as condições de trabalho das profissionais de educação;
  • e o acesso desigual à educação infantil de qualidade, que também já foi abordado aqui pela diretora Éricka.

Racismo. Eu faria uma fala sobre a discussão do racismo só destacando aqui que as as políticas universais de educação, elas têm sido insuficientes para enfrentar as desigualdades raciais que marcam historicamente a educação brasileira, tanto no que se refere ao acesso, quanto à permanência e à aprendizagem. Aqui a gente chama a atenção que é importante que haja uma combinação de políticas universais com políticas de ação afirmativa e também aqui a constatação que os dados escancaram que o argumento da pobreza é insuficiente para explicar todas as nossas desigualdades e que o país não pode mais perder tempo para enfrentar aquele que é um dos seus grandes desafios que é a problemática racial dentro da nossa democracia.
Recomendações. Eu vou jogar mais o meu tempo aqui nas recomendações, porque eu creio que este é um ponto fundamental para a gente construir junto com a Procuradora uma agenda, então eu vou trazer as recomendações que a relatoria vem fazendo com relação a esses desafios, a essas problemáticas. E depois concluo com um conjunto de recomendações à PFDC.
Com relação às recomendações que a relatoria traz e que já foram parcialmente apresentadas ao Congresso Nacional, que em fevereiro do ano que vem vão voltar a ser apresentadas no Congresso nacional e ao Conselho Federal da Educação.
A primeira recomendação: o desafio de aprofundar a visibilidade e a compreensão das desigualdades de gênero na educação (desagregar, cruzar e analisar). Aqui a gente traz a importância que os órgãos oficiais de pesquisa, em especial, a gente chama a atenção do INEP e do IBGE, avancem com relação às possibilidades de desagregação, cruzamento e análise de informações educacionais por sexo, raça, renda, campo/cidade, regionalidade, entre outros, por nível e por etapa educacional, a serem analisadas e disponibilizadas para a opinião pública. Aqui a gente saúda a criação do Observatório de Igualdade de Gênero e da série Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça, pela Secretaria de Políticas Para Mulheres, Unifem e Ipea, mas coloca a importância de que o Observatório consiga divulgar dados anualmente, porque os últimos dados que nós tivemos acesso, e entramos em contato também com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, são dados de 2008. Então a importância de que a gente tenha a divulgação de informações tratadas, analisadas anualmente. Aqui também a gente destaca a importância de qualificar o preenchimento do quesito cor/raça e de outros quesitos por parte das escolas no Censo Escolar (entre eles, a gente destaca aqui o nome social de estudantes travestis e transgêneros), por meio de processos de formação continuada para agentes que atuam nas secretariais escolares. E também a gente coloca aqui a importância de que seja feito um censo específico sobre estudantes travestis e transgêneros no país, porque não existe informação sobre isso.
    A segunda recomendação: quebrar as barreiras enfrentadas pelas Mulheres e meninas negras e ampliar as Ações Afirmativas na Educação, como o Frei David já colocou aqui. Aqui a gente destaca que apesar do grande investimento feito pelas meninas e mulheres negras na educação, permanecem profundas desigualdades entre as mulheres negras e brancas e entre mulheres negras e homens brancos decorrentes da articulação do sexismo e do racismo. O mesmo também a gente deve falar com relação às mulheres indígenas. E aqui a gente traz que a desqualificação cotidiana da beleza negra, a erotização precoce, a falta de imagens e de referências positivas e empoderadas, além das dificuldades enfrentadas por grande parte delas no cotidiano familiar, contribuem para esse quadro. E aqui a gente destaca as barreiras enfrentadas pelas jovens negras na passagem entre o ensino médio e o ensino superior, momento em que acontece uma inversão: apesar da maior presença e do melhor desempenho das mulheres negras até o ensino médio, no ensino superior os homens negros estão mais presentes no ensino superior. E aqui a gente faz a defesa intransigente, que nós fizemos também no STF, da importância das Ações Afirmativas no Ensino Superior e na Educação Profissional também, com recortes de raça e renda, com metas que contemplem as mulheres negras e indígenas.
A terceira recomendação: Melhorar a situação educacional dos meninos e jovens negros e implementar o Plano Nacional da lei 10.639/2003, que a procuradora Bernadete também já trouxe aqui. Então a gente traz a informação que os meninos negros estão entre aqueles com pior desempenho e menor escolaridade entre os grupos sociais. Associado às questões colocadas no item anterior referentes às meninas e mulheres negras, os meninos negros enfrentam um modelo de escola que valoriza a obediência, que silencia diante do racismo cotidiano e que não aponta perspectivas positivas de futuro. E aqui a gente destaca que o racismo na escola se concretiza por meio não só de atitudes ativas (agressões, humilhações, apelidos, violências físicas), mas de forma mais “sutil” por meio da falta de reconhecimento e de estímulo, da negação de uma história de resistência do povo negro no Brasil e de suas identidades, da desatenção, do isolamento, da distribuição desigual de afeto e da baixa expectativa positiva por parte dos(das) profissionais de educação com relação ao desempenho de crianças, jovens e adultos negros. A gente também aqui traz que o baixo desempenho dos meninos e jovens negros também deve ser lido na chave como uma “forma de resistência” dos jovens ao modelo de escola constituído. Colocamos também que as políticas de avaliação e de promoção da aprendizagem ainda pouco refletem as desigualdades de gênero e raça como questões estruturantes do desafio educacional brasileiro. E reforçamos aqui a importância do Plano Nacional, da da lei 10.639/2003, lançado em maio de 2009 e que enfrenta de forma muito concreta os vários desafios ligados à implementação dessa lei pelos sistemas de ensino.
O quarto ponto é ampliar o acesso à Educação Infantil de qualidade, esse acesso que é marcado profundamente por desigualdades de gênero e raça. Também já foi abordado aqui por Éricka, mas aqui também nós destacamos a importância da educação infantil, para as famílias e, em especial, para as mulheres, na perspectiva de fortalecimento de sua autonomia. Ainda as mulheres hoje são responsáveis predominantemente pelo cuidado com as crianças, realidade que também a gente quer e precisa mudar.
Quinta recomendação é a construção de uma política de EJA (Educação de Jovens e Adultos) com enfoques de gênero e raça/etnia. E aqui nós trazemos alguns números: que proporção de pessoas não alfabetizadas é maior entre as mulheres do que entre os homens em grupos com idade superior a 39 anos, ou seja, as mulheres não alfabetizadas estão concentradas nas faixas etárias mais elevadas. Com relação ao analfabetismo funcional, os homens constituem a maioria. Os indicadores disponíveis explicitam a presença majoritária da população negra entre os não alfabetizados (dos 14 milhões, 9 milhões de negros), com destaque para a situação das mulheres negras. Excetuando a região sul, todas as demais regiões predominam pessoas não alfabetizadas negras, e desse número os 6,8 milhões de pessoas não alfabetizadas que frequentam a EJA, entre 209-2010, 71,6% são negros. Nós temos aqui outras informações sobre dados, eu vou passar, mas destacar que já consta no diagnóstico e no marco normativo da EJA as questões de raça e gênero, mas no desenho das políticas não são ainda consideradas, elas permanecem ainda muito no plano do diagnóstico. Então é importante a gente dar um passo no sentido de que essas questões impactem o processo de formulação e implementação das políticas de EJA. E aqui também a gente chama a atenção para a importância da garantia do direito à educação de mulheres no sistema prisional, que é uma agenda também vinculada à educação de jovens e adultos..
A sexta recomendação é implementar o Piso Salarial Profissional Nacional das(dos) Profissionais de Educação e melhorar as condições de trabalho nas escolas e creches. Essa aqui eu só vou passar, não vou detalhar.
Sétima. A garantia de conteúdos referentes a relações sociais de gênero, raça e sexualidade na Formação inicial e continuada das(dos) profissionais de educação. E aqui a gente também coloca um detalhamento dessa recomendação que também já foi abordada aqui pela procuradora Bernadete. dos Profissionais de Educação, em elaboração pelo Conselho Nacional de Educação Básica, da Capes.
    Oitava. Esse é um ponto que eu gostaria de chamar a atenção, essa recomendação: Respeitar o princípio da laicidade, acabar com o ensino religioso confessional em escolas públicas, com a compra de livros de ensino religioso pelas redes públicas de ensino e revisar a legislação existente sobre o ensino religioso no Brasil. Então esse é um ponto bastante importante, nós da Relatoria estamos vindo de uma missão de intolerância religiosa, e nós observamos que muitas vezes o ensino religioso está sendo usado como espaço de proselitismos religiosos, está sendo usado para barrar a implementação da Lei 10.639 e de programas comprometidos com educação em sexualidade. Então é necessário afirmar a importância da laicidade, defender essa laicidade, e que o ensino religioso seja realizado nos espaços religiosos e por opção da família, e não por escolas públicas. E aqui a gente reforça a importância da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que está hoje no STF, que tem como objeto o ensino religioso confessional no estado do Rio de Janeiro e da Bahia e o acordo Brasil-Santa Sé, que também reforça a agenda do ensino religiosos cristão nas Escola Públicas brasileiras.3
A nona recomendação é promover uma política nacional de educação em sexualidade, implementando a Declaração da Cidade do México4, essa declaração interministerial da qual o Brasil é signatário, suspendendo o veto ao kit Escola sem Homofobia e elaborando as Diretrizes Nacionais Curriculares sobre Educação, Gênero e Sexualidade, não só para educação básica mas para o ensino superior.
Décima. Promover ações de estímulo a maior entrada das mulheres nas áreas das ciências e dos homens em áreas sociais e do cuidado.
A décima primeira recomendação. Criar protocolo nacional de atendimento de casos de racismo, sexismo, homofobia/lesbofobia, intolerância religiosa e outras discriminações no ambiente escolar e fortalecimento da escola na rede de proteção de direitos das crianças e adolescentes.
A décima segunda recomendação, é a definição de uma meta de equalização que a relatoria propôs ao Congresso nacional por meio da campanha nacional pelo direito à educação, a definição de uma meta de equalização e de outras metas de promoção da equidade e enfrentamento das discriminações no Plano Nacional de Educação - PNE, com financiamento adequado e gestão democrática escolar fortalecida com base em uma concepção mais plural de família. Aqui a gente destaca que a gestão democrática ainda esta referenciada num modelo de família tradicional nuclear, e esse modelo de família muitas vezes utilizado para discriminar outros modelos familiares, principalmente de famílias negras e pobres. Então nós entendemos aqui que é necessário que a gestão democrática escolar possa rever, revisitar sua concepção de família numa perspectiva mais plural.
Recomendações à PFDC. Agora, rapidamente, as recomendações à PFDC. São sugestões, eu não sei se os verbos, pois eu utilizei alguns verbos aqui, são os mais corretos, mas eu trago aqui para apreciação. Então, à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a partir dessas questões que a gente trouxe aqui.
  • Solicitar ao INEP/IBGE/IPEA apresentem anualmente análises de dados sobre desigualdades de gênero e raça por nível e modalidade da educação e por região/estado; naquela perspectiva da gente conseguir visibilizar melhor e compreender melhor as dinâmicas de reprodução, transformação e acirramento das desigualdades na educação.
  • Solicitar informações ao governo brasileiro – MEC, Ministério de Relações Internacionais, Secretaria Nacional de Direitos Humanos - com relação ao cumprimento da Declaração da Cidade do México – Educar para prevenir (2008), da qual o país é signatário, sobre políticas de educação em sexualidade. Essa declaração é um documento fundamental e entendemos que várias iniciativas entre elas o Kit Escolas sem Homofobia se vinculam ao que está previsto na declaração.
  • Solicitar ao MEC balanço sobre a implementação do Plano Nacional da lei 10.639, lançado em 2009, e informações sobre o que está sendo feito para enfrentar a maior exclusão de meninos e meninas negras da escola;
  • Retomar à solicitação para que os Ministérios Públicos Estaduais e os Federais monitorem a implementação la lei 10.639/2003 com base em indicadores a partir do Plano Nacional, da lei 10.639 e de indicadores escolares de implementação. Este é um ponto que a Procuradoria já teve um papel fundamental provocando os Estados a solicitar informações aos sistemas sobre a implementação da lei; nós estamos propondo que a Procuradoria faça uma outra provocação, mas tendo como base indicadores mais precisos sobre o que significa implementar a lei 10.639, para que vários sistemas não respondam somente com algumas palestras ou alguma ação no 20 de novembro que isso é implementar a lei 10.639.
  • Sugerir ao STF a convocação de um ciclo de audiências públicas para apreciação da ADIN referente ao ensino religioso e ao Acordo Brasil-Santa Sé. Então nós colocamos a importância da Procuradoria sugerir ao STF que seja convocado de um ciclo de audiências públicas, como foi feito com relação às ações afirmativas no ensino superior. Ações afirmativas que foram feitas para qualificar o debate brasileiro sobre um tema tão estratégico.
  • Reforçar junto às comissões de educação da Câmara e do Senado Federal a importância das metas de equalização e de promoção de equidade no novo Plano Nacional da Educação - PNE;
  • Manifestar junto ao STF, ao MEC, ao Conselho Nacional de Educação - CNE e ao Congresso Nacional a importância das ações afirmativas na educação com recorte de raça e gênero;
  • Estimular o CNE e o Conanda a desenvolverem proposta de protocolo escolar de registro e encaminhamento de casos de discriminação, em diálogo com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e o Conselho Nacional dos Direitos da População Negra (CNDPN);
  • Estimular os Ministérios Públicos Estaduais a atuarem pela criação de comissões de intolerância religiosa nos estados, de forma articulada com instancias do poder publico e organizações da sociedade civil;
  • Estimular o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais a monitorarem a implementação da educação em territórios quilombolas, a partir de indicadores definidos com base nas Diretrizes Nacionais de Educação Quilombola (que estão sendo agora apreciadas) e recomendações do relatório Educação e Racismo no Brasil (desta Relatoria).
São estas as sugestões mais concretas à PFDC. Muito obrigada pela oportunidade e parabéns pela iniciativa.
11. Dra. Gilda Carvalho agradece a Relatora da Plataforma DHESCA, observa que são muitas recomendações, sobre as quais ela deverá se concentrar, propondo continuarem a interlocução para ver qual a forma mais viável e expedita de dar os encaminhamentos.
12. Perguntas e Respostas
1ª. Wilson Waleci. Assessoria PFDC. Gostaria de saber se existem dados que analisam o conteúdo dos livros didáticos, na questão de discriminação de gênero e raça.
Resposta à 1ª pergunta: Obrigada, Wilson, pela questão. Existem várias pesquisas desenvolvidas por universidades e organizações não governamentais que abordam a questão, e que trazem que houve sim, como a Diretora Éricka já apontou, avanços importantes com relação à definição de critérios para análise dos livros didáticos no Programa Nacional dos Livros Didáticos, então houve avanços. Mas as pesquisas também apontam que ainda persiste uma abordagem com problemas graves de discriminação racial e de gênero, de forma menos explícita, mas mais sutil. Então do ponto de vista das imagens, tem um estudo da Universidade Federal de São Carlos que analisa as imagens dos livros didáticos, que coloca como a população negra ainda é colocada como figurante, num papel secundário, você tem um lugar das religiões de matriz africana também desvalorizado, você tem pouca valorização dessa memória, dessa história de resistência nos livros didáticos. Então já se avançou, mas precisa avançar mais, principalmente para captar essa discriminação mais sutil da negação, da invisibilidade, de colocar a população negra num papel secundário. Então é isso que eu poderia trazer para você, que se avançou mas persistem muitos desafios nesse campo, e que por isso o Plano Nacional da lei 10.639/2003 coloca a importância de se aprimorar esses indicadores com relação à análise dos livros didáticos, do que é considerado avanço, ou seja que essa comissão que faz a análise dos livros didáticos possa contar com especialistas no campo das relações raciais e de gênero para aprimorar essa análise, principalmente nesses aspectos mais sutis. Avançamos, mas muito desafios persistem.
2ª. Dra Gilda Carvalho. PFDC. Eu queria aproveitar essa pergunta do Wilson, muito importante, porque a gente se depara com esse problema na PFDC. Nós desenvolvemos desde 2009 um trabalho, expedimos ofícios circulares aos procuradores dos direitos do cidadão, para que eles vissem no Estado ou nos seus Municípios a implementação dessa lei. E eles pediram que houvesse comprovação por parte daquela autoridade, seja municipal, estadual ou federal, que mandassem ao ministério público o currículo. Só que temos pilhas de remessas de currículos, mas nós não somos especialistas para saber se os currículos se adequam às diretrizes voltadas para a implementação da lei. Então foi feito ofício ao setor do MEC que cuida dessa parte, solicitando um exame, ao menos algumas análises. Depois eu soube, há pouco tempo, que eles disseram que não podiam fazer, porque não tinham contingente humano hábil para fazer.. Então eu fiquei tão frustrada, que eu talvez tenha que fazer um contato novamente, talvez tenha sido vencida essa dificuldade, porque eu estou novamente com uma pilha de procedimentos que vieram dos Estados com igual problema: quem é que vai dizer se aquele currículo se adequa ou não. Não sei Denise, talvez você possa nos ajudar a encontrar um caminho, uma forma prática e rápida de resolver isto, e se você já tiver agora uma sugestão todos gostaríamos de ouvir suas palavras.
Resposta à 2ª Pergunta. Acho que um caminho, até provocando também a Éricka, seria a constituição de uma Comissão para analisar esse material que chegou na PFDC. Nós da Relatoria Nacional da Educação estamos à disposição para integrar esta Comissão, de análise desse material, que é bastante precioso para a análise do momento de implementação da lei no país. Então eu gostaria de colocar a Relatoria à disposição para contribuir nessa análise e também gostaria de dar um depoimento da importância dessa iniciativa nos Estados. Nós vimos o que resultou essa iniciativa, que foi de uma articulação do ex-ouvidor da SEPPIR, o professor Adami, com a PFDC, gerou uma movimentação nos Estados muito importante, muitas escolas passaram a se preocupar com a lei a partir da provocação que receberam, então impulsionou sim uma agenda. Então nós entendemos que seria muito importante que essa provocação fosse feita de tempos em tempos, para alimentar esse processo de estímulo à concretização dessa agenda, uma agenda que nós sabemos enfrenta diversas resistência no país, especialmente nos sistemas educacionais e no mundo escolar. Então esse tipo de estímulo é importante, e o que resulta também, os materiais também permitem que a gente tenha esse quadro. Para concluir dizer que acho importante, como a gente sugere aqui, que a próxima ação nesse sentido pudesse sugerir aos estados um conjunto de indicadores para que os sistemas reagissem a partir deles. Porque nós vimos alguns materiais que o Estado de São Paulo enviou, e haviam essas informações; fizemos tantas palestras, ou seja é uma coisa muito solta e fragmentada, e o que o Plano Nacional da 10.639 sugere é uma abordagem mais sistêmica, mais mais integral nesse desafio que é a implantação de uma lei tão estratégica para o nosso país. Obrigada.
13. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão agradece novamente a Relatora e convida a próxima palestrante, a professora Maria Luiza Júnior, do Movimento Negro Unificado.
14. Exposição: Imagens das mulheres nos meios de comunicação e as demandas por reconhecimento e respeito – Sra. Maria Luiza Júnior – Movimento Negro Unificado.
Boa tarde, eu quero agradecer o convite, porque é muito importante para o Movimento Negro estar inserido nessa promoção de igualdade, principalmente o segmento feminino, muitas mulheres negras são mães de filhos formados nessa sociedade racista.
Bem o disse a saudosa Lélia Gonzáles – fundadora do MNU – que “sexismo e racismo caminham par a par na sociedade brasileira”. Ainda que na atualidade tenhamos, nós, brasileiras e brasileiros, eleito uma mulher para o cargo de Presidente da República, é possível identificar o quão distante estamos nós, as mulheres, de efetivamente sermos reconhecidas e respeitadas também como “autoridades”. O último Presidente era carinhosamente chamado de “Lulinha – paz e amor”, ninguém ousou ir além da alcunha. Vimos na mídia, que o ex-ministro do Trabalho, Carlos Lupi, envolvido num escândalo de corrupção, esgotadas suas chances de permanecer no Poder, dirigiu à Presidente Dilma uma estapafúrdia declaração de amor, a que ela respondeu “não sou propriamente romântica”. Resguardada a singularidade do episódio, as mulheres brasileiras são vitimadas pelo desrespeito no ambiente de trabalho, desde a admissão até a promoção salarial e funcional.
A lei Afonso Arinos, que abordou a questão do racismo ou preconceito racial no Brasil, foi proposta e aprovada sem nenhuma alteração em 1951. De autoria do então deputado Afonso Arinos de Melo Franco, em resposta a um pedido de retratação feito pelo embaixador dos EUA no Brasil, porque a bailarina afro-americana, Katherine Dunhan, com espetáculo agendado no Teatro Municipal, foi impedida de se hospedar em um hotel paulista onde tinha sido a reserva. Isso foi no ano de 1951. Na década de 1960, lemos na revista O Cruzeiro um artigo de Rachel de Queiroz reclamando que um hotel de São Paulo, em franca desobediência à Lei vigente, recusou hospedagem à cantora Elza Soares. A jornalista Glória Maria foi barrada num hotel no Rio de Janeiro numa data próxima ao Centenário da Lei Áurea (1988) – nenhum prejuízo teve o estabelecimento, a lei não foi acionada. Aqui, a despeito da grita do movimento negro organizado, indignado, espantosamente, por vontade e determinação da própria jornalista, uma mulher negra, declinou da possibilidade de acionar a lei, e usou o argumento de que o movimento negro queria se promover à custa do alcance da emissora televisiva onde trabalhava, que era a Rede Globo.
A mídia como um todo e em especial as redes de televisão – que são concedidas por atos da Administração Pública, são pródigas em construir e reforçar estereótipos discriminatórios contra a mulher. Espero contar com compreensão de todos porque vou me limitar aos exemplos relativos à mulher negra e, como estamos falando em educação para o respeito, não podemos negligenciar os danos irreversíveis na construção da identidade cidadã e brasileira das crianças, menino/homem e menina/mulher – como dizemos nós os mineiros, que são expostos intensamente a esta linguagem preconceituosa e discriminatória. Quase não se vê pessoa negra ou mulata estampando manchetes de jornal ou capas de revistas, nem mesmo Nossa Aparecida mereceu a capa da Revista VEJA, no episódio do chute da Santa. O periódico, que recentemente tem como associado um editor sul-africano, colocou na capa a imagem da Virgem Maria com olhos azuis celeste como o seu manto. No caso, a Santa que o bispo Sérgio Von Helder da Igreja Universal chutou, chamando-a de feia e desgraçada, é a Padroeira do Brasil: Nossa Senhora Aparecida. Ninguém defendeu Nossa senhora Aparecida. (Ano de 2007). Quem defenderia nós mulheres negras? Quem defende as crianças negras? Quem defende os brasileiros, dessa mentalidade?
Outro trabalho destacado destes religiosos neopentencostais, em suas emissoras de televisão concedidas pelo poder público é desqualificar as Mães-de-Santo, as Yalorixás, as sacerdotisas das religiões de tradição afro-brasileira e tudo mais que se refere à cultura negra, e seguem impunes praticando atos de racismo e intolerância religiosa nas suas mídias. Notem que os neopentencostais não tem dirigido sua verve contra os babalorixás, os pais-de-santo, numa espécie de solidariedade machista.
Foi veiculada no Jornal Folha Universal de São Paulo, uma foto da mãe-de-santo baiana, Gildásia dos Santos, Mãe Gilda de Ógun, com uma tarja preta nos olhos sob a manchete: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida de clientes”. Seguidores do pastor da Assembleia de Deus, em Salvador/BA, invadiram o terreiro de candomblé de Mãe Gilda e desferiram diversos golpes com a bíblia na cabeça dela e de outros “filhos” da casa, gritando que expulsavam o diabo. Em consequência de tal agressão, ocorrida no dia 21 de janeiro de 1999, Mãe Gilda teve um enfarto fulminante. O depoimento disponível na internet, de uma das “filhas” de Mãe Gilda de Ógun, destaca também que “as crianças que moram no terreiro de candomblé e que como os pais, são também ‘filhos de santo’, sofrem lavagem cerebral nas escolas públicas por parte dos professores e agressões dos colegas que ficam impunes”. Ainda acusa a “filha-de-santo” que o mesmo tratamento discriminatório e preconceituoso é dispensado pelos profissionais da saúde – que são dessas religiões protestantes - aos pacientes que são identificados na triagem como povo de santo, como pessoas do candomblé. Esses profissionais da saúde, com pleno poder de decisão, impõem obstáculos ao acesso desses pacientes às clínicas médicas e passam a fazer, com naturalidade, “orações para espantar o diabo”, e não os encaminham aos médicos.
A probabilidade de um paciente negro não ser admitido com celeridade e isonomia no atendimento à saúde pública está próxima de 100%, a estatística se repete em outros serviços públicos. Exemplar, no caso da saúde, foi o ocorrido com o famoso atleta negro, João do Pulo, João Carlos de Oliveira, que tendo sido vitima de um acidente de carro, foi deixado durante horas no corredor do hospital sem atendimento. Essa demora, resultado da discriminação na triagem, resultou na amputação de sua perna e no fim prematuro de sua carreira de recordista em salto triplo.
Recentemente foi dito pela mídia que muitas mulheres negras não tem acesso aos programas de saúde pública pelo simples ato discriminatório dos profissionais da Saúde Pública.
Falando em atleta, recordo quando a ginasta Daiane dos Santos ganhou sua primeira medalha no Pan-americano de Winninpeg, em 1999, a jornalista, da Rede Globo, correu até a técnica da seleção brasileira e perguntou: “A Daiane tem alguma limitação física-biológica por ser negra?”. Daiana se revelou campeã. Nas disputas seguintes, foi até preciso que outra ginasta brasileira, Daniele Hipólito saísse em defesa da “Pérola Negra”, porque a imprensa insistia em atribuir o fracasso conjunto da equipe de ginástica olímpica nacional à presença de Daiane nessa .
Aqui é o país do futebol, todo mundo sabe disso não é? Recentemente, a presidente do Comitê Organizador do Mundial Feminino de Futebol da Alemanha, Steffi Jones, faz a mesma reivindicação das atletas brasileiras: “Eu gostaria de ver mais mulheres no futebol”. (...) “Vocês [que somos nós, os brasileiros] têm um dos melhores times do mundo, elas são bem-sucedidas, mas não são apoiadas em casa”. A delegação brasileira de futebol feminino foi à Alemanha sem psicólogos, sem fotógrafos e sem cozinheiros, as próprias jogadoras preparavam sua comida nos hotéis. Isso é um absurdo. Marta, eleita há cinco anos consecutivos a melhor jogadora do mundo e as demais clamam por mais investimento no futebol feminino. Nem as atletas brasileiras do vôlei desistiram de agredir as “negas” do time cubano que depois de vencer na quadra a seleção brasileira, foram agredidas pelas perdedoras no vestiário, sob uma saraivada de insultos racistas. Um ato registrado nos anais da mídia internacional.
Outra imagem de mulher negra comum na televisão é da “mulata”, que são as personagens do festejado Jorge Amado, as gabrielas que com cheiro de cravo e canela trazem ao Brasil turistas ávidos por sexo barato e intenso, cuja preferência recai sob as de menor idade contratadas, que são apresentadas no exterior, através de “books”, de internet, pelas redes de prostituição que agem livremente no Brasil. O famoso assaltante inglês, Ronald Biggs que viveu sob a proteção da lei no Brasil por décadas, também fazia agenciamento de “mulatas” como forma de se manter financeiramente. Essa imagem de jovem mulher e “fogosa” e afrodescendente podemos assistir na novela da Globo, Fina Estampa, a atriz Carol Macedo, que em novela anterior despontou como uma criança agenciada/cafetinada pela inescrupulosa avó, atualmente essa mesma atriz Carol Macedo representa uma fanqueira que assedia um jovem estudante e para tanto sempre engana o severo pai. Ainda em Fina Estampa, temos a Cris Vianna, outra atriz negra, que vem exibindo o corpo “escultural” com impagáveis e improváveis banhos de mangueira na laje.
Na edição 2002 do “Criança Esperança” da Rede Globo, a atriz Ângela Vieira antes da sua apresentação faz um discurso contra a prostituição infanto-juvenil, terminado o discurso, tira a capa que escondia seu traje de dançarina de boate numa reprodução da cena do filme Cabaré. Então aqui v vale o “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Ainda em novelas da Globo, temos a personagem da menina negra, interpretada pela atriz Duda Costa, moradora de um orfanato, que diariamente é torturada pela personagem da atriz Maria Zilda. No capítulo de ontem, 06/12/11, a personagem de Maria Zilda, troca a medicação da criança de uma embalagem para a outra. Uma cena passível de questionamento, porque ‘ensina’ como sabotar um tratamento médico.
Porque estou falando isto aqui? Exatamente porque a ficção, complementada pelo poder impactante da imagem sedimenta os preconceitos, naturaliza a discriminação. Tantas vezes são imagens agressivas, tão violentas que difundem o medo, e o medo fragiliza as pessoas, as impede de crescer, de arriscar, de reivindicar seus direitos. (Tem na internet Mia Couto, um escritor angolano, um texto maravilhoso, um depoimento dele maravilhoso, sobre o medo, Mia Couto, eu aconselho todo mundo a ler).
A juíza baiana, negra e rastafári, Luislinda Valois, hoje desembargadora do TJ/BA, em Maio de 2010 deu um depoimento na novela Viver a Vida, da Globo, as imagens sua no Projac foram distribuídas pela internet e um portal da Rede Record, de acordo com as palavras da própria juíza: “Ao publicarem uma foto minha ao lado da atriz global Natália do Valle, creditaram-me como sua camareira” – continua a desembargadora, “Nada contra as camareiras que desempenham papel importante como tantos outros. No entanto, isso revela, (...) uma visão estereotipada por entender que os negros só podem exercer determinadas profissões na sociedade. Pergunto-me, se fosse uma loira posando ao lado da atriz, será que a creditariam como uma camareira ou buscariam apurar melhor a informação?”, desabafa. “A escravidão, apesar de tantas leis instituídas, ainda existe e resiste. Só mudou a rotulagem e a forma de acontecer”, segundo a desembargadora.
Na mesma novela, “Viver a Vida”, de 2010, tendo colocado no ar o depoimento da Desembargadora Luislinda Valois no mês de Maio, em clara alusão ao 13 de Maio, em novembro, exatamente no dia 20 de Novembro, que é a Data Nacional da Consciência Negra, mostrou uma cena em que a personagem de Lília Cabral desfere um violento tapa no rosto da personagem de Thaís Araújo. E essa personagem, ela chora, cai, fica de joelhos, não tem como responder a isso. Então é a imagem ensinando, pode sim dar tapa na cara de uma pessoa negra. Essa justificativa de que é a mentalidade escravista também faz parte de uma análise do antropólogo Roberto da Matta. Ele diz que a polícia na sociedade brasileira tem dificuldade de ser democrática. (“Onde está a Polícia”, http://www.eagora.org.br/arquivo/Onde-est-apolcia). Ele observa que “no Brasil, um sistema hierarquizado foi um obstáculo para a criação de uma organização policial democrática, válida para todos e, em virtude desse viés, destinada a agir do mesmo modo em todas as situações”. Continua o antropólogo, “... criar esse tipo de polícia numa sociedade com uma elite que possuía escravos e os punia dentro de suas casas, usando os métodos que julgava mais apropriado?”
A atriz negra, Thalma de Freitas, recentemente foi conduzida à delegacia para que fosse feita uma revista íntima na delegacia de polícia por dois policiais do Rio de Janeiro, ai ela se pergunta: “Será que temos que ter medo da polícia?” ("É a primeira vez que passo por essa humilhação. Não há outra coisa a fazer exceto processá-los por abuso de poder. Por que a loura que estava sendo revistada antes de mim não veio para cá? Será que artistas como eu e moradores do Vidigal, negros como eu, precisam passar por isso? Será que temos que ter medo da polícia? Porque estou aqui? Sou suspeita de quê? Gostaria que eles me explicassem".)
O caso do menino Juan de Morais, morto por policiais no Rio de Janeiro, em junho deste ano. A matéria de Cristina Grillo, na página Opinião da Folha SP, afirma que a confirmação da morte de um filho é o pior de todos os temores que uma mãe pode enfrentar. Um temor, afirmo eu, Maria Luiza, que quase todas senão todas as mães de criança e adolescente e quiçá pessoa adulta e negra vivencia diariamente ante a legalidade da sanha assassina da Polícia, registrada como “auto de resistência” nas estatísticas do Instituto de Segurança Pública do Rio, em 2010 contabilizaram 855 pessoas mortas, “resistentes”. Ou seja, 855 pessoas foram mortas por policiais no Rio de Janeiro, o que dá uma média de 2,3 pessoas por dia.
Voltando a representação da imagem da mulher. A mídia transformou o parecer do Conselho Nacional de Educação do MEC que sugeria a suspensão da distribuição do livro “Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato, num dos assuntos mais polêmicos, valendo até tema carnavalesco. Afinal, ficou claro que um dos problemas era que a Editora Globo é a responsável pela distribuição do livro nas escolas públicas. Então ela não queria levar o prejuízo de ter que recolher esses livros que fazem alusão ao personagem da Tia Anastácia, que é uma mulher negra, que trabalha na cozinha. Agora recentemente o Sítio vai ser lançado como um produto internacional e a Globo tomou o cuidado de esclarecer que: “Entre as adequações da obra aos tempos atuais, a versão em desenho do “Sítio” deixará de lado qualquer resquício escravocrata em referencia a Tia Anastácia (a mulher negra) que faz parte de alguns livros de Monteiro Lobato”.
Por fim, é importante lembrar que no Brasil estamos distantes de um ideal de isonomia entre homens e mulheres, entre brancos e negros, mas devemos tentar ao menos separar o Público do Privado, até como um exercício de cidadania. Ainda que um diretor da Rede Globo não concorde quando criticado por banalizar a violência contra as mulheres em sua programação, ele não está dispensado da observância da lei. Partindo dessa premissa de observância da Lei, gostaria que me fosse explicado como a Procuradora de Justiça do Distrito Federal, a Dra. Roberta Kauffman, é advogada voluntária do Partido Democrata na ADIN contra as cotas da Universidade de Brasília? Essa Procuradora, Dra Roberta Kauffman, foi orientanda do Ministro Gilmar Mendes para a dissertação de mestrado que versou sobre Ações Afirmativas no Brasil como algo obsoleto, considerando a prevalência do axioma democracia racial brasileira. Atualmente a Procuradora tem despontado na mídia nacional como uma “autoridade” contrária às Ações Afirmativas para Negros e Negras. O meu questionamento é: Será que ela vai aprovar as ações afirmativas para as mulheres?
O que temos a sugerir como Políticas Afirmativas é algo muito simples, mas confiamos em seu efeito imediato:
1. Estar em constante vigilância quanto ao cumprimento das Leis (porque a gente não precisa mais de leis, racismo é crime, ponto final. Incluindo, nessa observância da lei, seus agentes, incluindo aí a Polícia, em especial, os servidores públicos, que são a base da pirâmide administrativa. (Discriminação por sexo, religião, cor, continua sendo crime, então não precisa de outra lei. É proibido matar, é proibido matar qualquer pessoa, não precisa de uma lei que: é proibido matar homossexuais, é proibido matar mulheres, é proibido matar crianças, não precisa de uma lei para isso. É proibido espancar qualquer um, é proibido provocar a morte por espancamento, é proibido humilhar, então não precisa de outra lei. Tem que fazer valer essa proibição, reconhecendo que todos nós somos pessoas de direito. Então, nossa sugestão é: Nas repartições públicas tem lá um bilhete, na folha a4, dizendo o seguinte: é proibido ou é passível de pena de prisão insultar funcionário público no exercício da sua função. Não tem assinatura de ninguém, é só um papel branco. Todo mundo que chega lá na repartição, embora a fila esteja enorme, fica chocado com aquele aviso ali. Então, vamos colocar ao lado desse aviso que racismo é crime. Tanto para lembrar aquele servidor público que possa vir a discriminar alguma pessoa negra que vai recorrer àquele serviço público – que é tratado com negligência, é conduzido para o elevador de serviço, ou às vezes nem é conduzido para onde está procurando esse serviço. Então esse mesmo papel. E é importante, e aí eu falo como profissional de comunicação, que não tenha assinatura. Porque quando a gente faz esses cartazes, logo as as pessoas, também são preconceituosas ou preguiçosas, não querem ler porque entende isso como propaganda de governo. Então só uma folha branca, simples, lembrando racismo é crime. Discriminação por sexo, raça, cor, religião, é crime, passivel de prisão. Todo mundo vai ler. Igual todo mundo está lendo. Funcionário público não é mais insultado, porque todo mundo tem medo de ser preso).
2. Colar em todas as repartições públicas e espaço em que se dá o atendimento público, cartazes simples, sem assinatura, com o enunciado da Lei que proíbe o racismo e a discriminação por cor, sexo, religião, e etc. (nos moldes do aviso sobre agredir funcionário público): “RACISMO É CRIME - Constituição Federal Artigo 5º”
3. Iniciar campanha de esclarecimento sobre o crime de prostituição infanto-juvenil; para brasileiros e turistas, obrigando os estabelecimentos comerciais a exibir a advertência para todos; (Eu não sei sobre a lei da prostituição infanto-juvenil, mas a minha experiência na militância negra em Salvador, é que acontecia muito, quando essas menores eram flagradas nos navios que aportavam em Salvador, na verdade elas apanhavam da polícia, e os turistas ficavam livres de qualquer coisa. A gente está vendo o que acontece no Ceará, em Fortaleza, esse afluxo não só por droga mas por esse turismo sexual também. Então vale a folha também nesses hotéis e nos estabelecimentos de afluxo turístico: prostituição infanto-juvenil é crime no Brasil.)
4. Conter a violência policial;
5. Incluir vozes femininas e negras nas propagandas oficiais, especialmente de apelo positivo; e,
6. Criar uma central de denúncia que seja acessada por todos (e sobre rodos os assuntos) cabendo ao serviço fazer a distribuição das denúncias aos órgãos competentes. Tipo um número telefônico com apenas 3 dígitos, fácil de ser memorizado. (Em vez dos zero oitocentos, que fica difícil as pessoas lembrarem, um número tipo - 123 - que toda criança aprende a falar, e lá é feita a triagem, as redes de comunicação estão bastante avançadas, que facilita esse apelo, para as pessoas buscarem essa ajuda.)
Então é o que eu tinha a falar, boa tarde a todos.
15. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão agradece a Sra. Maria Luiza Júnior, destacando o cenário profundo e real do que acontece ainda no nosso país, por ela apresentado com palavras que foram muito fundo em cada uma das pessoas presentes, reafirmando o compromisso de todos no sentido de mudar esse cenário, por uma sociedade inclusiva e sem violência.
16. Perguntas e Respostas:
1ª. Dr. Moacir Guimarães Morais Filho. Subprocurador-Geral da República. Membro Suplente da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão – Índios e Minorias. Dr. Moacir Guimarães Morais Filho se apresenta e explica que, estando em seu gabinete, ligou a rede interna de computadores e se sensibilizou com este encontro e o anúncio de vários palestrantes, ficando bastante entusiasmado com os registros que a professora fez com referência a fatos realmente verídicos, que aconteceram, principalmente envolvendo uma rede importante de comunicação como é a Rede Globo. Observa que gostaria apenas de recolher a sugestão da Sra Maria Luiza Júnior com referência à colocação de uma folha A4 com esta advertência de que também é crime o racismo, a discriminação racial, entendendo que a iniciativa deve partir inclusive do Ministério Público, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e faz então um encaminhamento no sentido de que medida seja objeto de uma recomendação, através da PFDC, a todas as repartições públicas, porque assim ficará mais evidente e concreta a sugestão. Agradece e parabeniza a professora Maria Luiza Júnior pelas suas considerações, considerando-as bem oportunas e bem didáticas.
Resposta à 1ª pergunta. A Sra. Maria Luiza Júnior agradece a consideração, observando que essas questões eram muito discutidas no Movimento Negro Unificado, onde costumava-se brincar assim: “cuidado com o 'pli-plin' da Globo, porque o que nós construímos o plin-plin derruba”. Explica que isso mostra a a importância de que as medidas legais sejam transformadas em ações inibidoras, pois apenas a lei não resolve. Cita como exemplo do Pró-uni, que foi uma opção para incluir os alunos pobres nas universidades, mas o que se vê é que esses alunos são escolhidos pelas faculdades, as quais determinam qual o pobre vai ser o merecedor da bolsa. Assim é evidente, continua, que a comunidade negra fica cada vez menos “merecedora” dessas ações afirmativas. Então é muito importante conscientizar não só os agentes da lei mas os brasileiros como um todo. A filha de santo cujo caso ela relatou disse-lhe que nem sabia que podia processar a Igreja Universal pela morte da mãe dela. Isso foi feito depois e a família veio a receber uma indenização.
2ª. Wilson Weleci. Assessoria PFDC. Propõe acrescentar uma proposta a esta. Considerando que todos têm uma conta de água e uma conta de luz, sugere que estas advertência sobre racismo e violência contra a mulher venham a constar também nessas contas.
17. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra Gilda Carvalho, agradece a todos e solicita, como forma de reconhecer e destacar a sugestão da Sra Maria Luiza Júnior, seja já fixada no local da Audiência uma folha com os dizeres “Racismo é Crime”. Em seguida convida a Presidente do INEP, Sra. Malvina Tania Tuttman, para proferir sua palestra.
18. Exposição: Produção de dados com recortes de gênero e raça. Professora Malvina Tania Tuttman. Presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira- INEP/MEC.
A Presidente do INEP inicia sua exposição agradecendo o convite da Dra Gilda Carvalho, profissional que teve a grande satisfação de conhecer nas idas e vindas da construção de etapas importantes do pensar e do fazer do INEP. Manifesta a satisfação de estar reunida com todos/as para refletir sobre a questão da discriminação, e num recorte importante sobre a mulher, especialmente sobre a questão da mulher negra. Apresentando-se como professora da educação pública há 43 anos, que continua acreditando e quer continuar a ser professora, a Sra Malvina Tuttman observa que esta temática a toca profundamente, inclusive por suas reflexões tanto no período que atuou na educação básica como na educação superior, e, neste momento, pela possibilidade de ter uma visão muito mais ampliada do que poderia imaginar, estando com colegas pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, tendo a dimensão da realidade brasileira, vendo através de números, não só através das reflexões feitas na academia, nas pesquisas, mas tendo uma visão do desenho da intolerância, da discriminação, e, ainda, de quanto precisamos – já avançamos – mas do quanto precisamos avançar em termos de políticas públicas nesse país. Na hora de organizar a apresentação ela se colocou como Malvina, representando as pesquisas e os levantamentos de dados do INEP, trazendo dados que lhe foram solicitados na posição de presidente do INEP mas, misturando um pouco as posições, talvez se coloque também como professora e como mulher desse país, que esta junto com outras tantas mulheres e homens também - e não só do Brasil-, que acreditam num mundo de paz. Observando que gosta das misturas, a Sra Malvina Tuttman parabenizou a Sra Maria Luiza Junior por sua fala, considerando-a excepcional, marcante, mesmo para aqueles que já estão convencidos que muito há a fazer, pois sempre é importante escutar e escutar e escutar para que se tenha maior poder de convencimento nos lugares que ocupamos na nossa sociedade e possamos sair das nossas palavras e ir para ações muito mais contundentes, e a educação formal é um espaço importante para essas reflexões.
Eu quero rapidamente falar não sobre o INEP, até porque o INEP muitas vezes é confundido com o ENEM, eu costumo brincar que eu não sou presidente do ENEM mas estou presidente do INEP. E o INEP precisa, deve ser valorizado como um patrimônio do nosso país, ele foi criado por educadores, um movimento importante de educadores. O INEP vai fazer 75 anos ano que vem, nós vamos comemorar isto, ele já teve idas e vindas, já foi discriminado por conta do apontamento de dados que em determinados momentos da história do nosso país eram considerados não importantes de serem revelados, melhor silenciar, então o INEP e a CAPES quase foram terminados, eles terminaram num dia e surgiram, por conta de movimentos de muitos, num outro dia, então ele passa por altos e baixos, mas ele é primordialmente um instituto importante de estudos e pesquisas educacionais.
Principais ações do INEP. Todas essas ações que estão ali relacionadas elas contemplam os recortes de gênero e raça. Então os dados disponibilizados pelos pesquisadores do INEP, quando fazem os censos educacionais tanto da educação básica quanto da educação superior, quando trabalham no sistema nacional de avaliação da educação básica, muito conhecido como o Aprova Brasil, quando trabalhamos no ENAD, que é um dos instrumentos para avaliar a educação superior, os cursos de graduação do nosso pais, o tão falado ENEM e o Exame Nacional para certificar competências de jovens e adultos, sempre nesses dados, não só nos instrumento de avaliação mas também no preenchimento de questionários, de instrumentos para se ter um perfil dessas populações que passam por esses exames ou essas coletas de dados, sempre nós temos contemplado esses recortes de gênero e raça. Agora, é importante, Maria Luiza, todos os companheiros que estão aqui, é importante dizer que é preciso que tenhamos instrumentos legais para tornar obrigatória – obrigatória é uma palavra que eu não gosto – mas enquanto isso não for percebido como necessário, acho que tem que ser obrigatório, mas isso me incomoda um pouco, a questão de ser obrigatório. Mas, nos censos que nós fazemos e em todos os outros instrumentos a legislação nos impede de tornar obrigatória a resposta quando se pergunta qual é a etnia, qual é a cor, enfim, qual é a raca, isso não e obrigatório. Então eu queria retomar um pouco quando você fala, e eu vou mostrar um gráfico, que há mais mulheres do que homens negros até a educação básica, e depois isso se inverte, eu acredito que você tenha razão mas nós não temos dados e quando você falou isso eu fiquei preocupada, imediatamente, eu telefonei para Carlos Moreno, Diretor do Departamento de Estatísticas Educacionais, que coordena esses censos. Até peço desculpas porque por dois minutos eu não acompanhei teu raciocínio, mas eu fiquei preocupada com esse dado. Então ele me informou o seguinte: no censo de educação superior, os homens de todas as etnias, nós temos 2 milhões, 741 mil, 405; e as mulheres são 3 milhões, seiscentos e trinta e sete mil, 894 mulheres. Então nós temos mais de 6 milhões de matriculas. Muito bem. Mas não declarada a sua raça, nós temos 2 milhões e duzentos. Não é obrigatório, então não quer declarar nós não temos como obrigar, não há nada legal, Dra Gilda, que diga que isso é importante. Para o desenho do nosso pais esse dado é fundamental, mas no censo que o INEP faz, e é um censo unitário, não é um censo por amostra, ele vai a todos, a todos os alunos, a todos os professores, tanto na educação básica quanto no ensino superior, então isso precisa ver.
Então não há registro, dois milhões e duzentas pessoas não declararam, e não há registro nas instituições de educação superior de mais dois milhões e cem. Dos declarados, nós temos um milhão e duzentos que se declaram brancos, 535 mil que se declaram pardos, 145 mil que se declaram pretos (ainda a categoria fica assim), 57 mil que se declaram amarelos e 8 mil e duzentos indígenas. Então, se nós somarmos, retirando os brancos, nós temos - de outras etnias – 747 mil e duzentos. E ai nós podemos ver que sem um dado oficial eu não posso garantir, porque eu tenho quatro milhões e trezentos que não têm nenhuma declaração, então eu não sei onde categorizá-los. Mas desses declarados eu tenho realmente mais brancos, mas eu não posso afirmar, porque eu não tenho esse dado (para a totalidade). Então, Dra Gilda, depois nos aconselhe de que forma nós podemos agir para que essa declaração seja importante. E também, Maria Luiza e todos os colegas – desculpe se estou me dirigindo a você, Maria Luiza, mas é porque todos se sentem orgulhosos com a sua fala, eu estou considerando você uma grande representante de todos e como eu não posso me dirigir a todos eu faço essa citação a você, espero que não se importe. Então nós não temos declaração. E aí eu faço uma pergunta que não é para a gente responder agora não, é para nós todos, para mim mesma: também, por que às vezes os negros, os mulatos, enfim, por que as vezes não querem se declarar, não querem dizer o que são. É também importante, eu não estou aqui responsabilizando ninguém, e se é responsabilidade, é responsabilidade da nossa sociedade, que vem oprimindo e oprimindo e oprimindo.
Aquilo que nós falamos, distribuição da matrícula por sexo Nós temos muito dados, seriam muitos, o INEP disponibiliza esses dados e os micro-dados. Outro dia eu fui no Conselho Nacional de Educação, porque teve uma avaliação sobre educação, uma grande avaliação, as pessoas me perguntavam: por que que o INEP não faz essas e aquelas pesquisas, esses e aqueles recortes? Eu devolvi a questão dizendo assim: onde estão os pesquisadores das universidades?Eu fico muito à vontade de falar porque eu fim de uma Universidade, há pouquíssimo tempo. Os dados estão ai, o INEP tem funções sim importantes, de levantar os dados, de fazer sínteses preliminares importantes, mas de disponibilizar os dados para toda a população interessada, principalmente para os nossos pesquisadores e grande parte estão nas instituições. Então eu faço um chamamento até a mim mesma, à universidade da minha origem, aonde estão todos, que nesse momento temos que fazer um grande mutirão. Eu me lembro bem, a crítica, Dra Gilda, era por que nós não tínhamos disponibilizado os micro-dados de 2010 sobre a Prova Brasil. E aí eu dizia assim, está certo, estamos demorando porque há uma série de dificuldades, mas será que os micro-dados de 2009 são tão diferentes dos micro-dados de 2010? E onde estão as pesquisas em termos dos anos de 2009... Agora já temos a de 2010. Então nós estamos esperando a última da última notícia?
E volto para a temática, para a gente saber que políticas nós vamos implementar – e quando eu falo de políticas não falo apenas a nível de política governamental federal, que é importante, mas eu falo das políticas estaduais, municipais, eu falo das políticas locais, dos projetos político-pedagógicos de todos os níveis das instituições, sejam as instituições da educação básica ou da universidade, todos nós temos a responsabilidade, e nós temos que nos unir nesse sentido. Então os dados estão postos, pelo INEP, pelo IBGE, pelo IPEA, então vamos fazer também as pesquisas, não só para apresentarmos nos congressos - eu fico muito a vontade de falar isso agora porque já falava nove, dez meses atrás, enquanto profissional de uma universidade publica federal do Rio de Janeiro. Mas então vamos mas fazer, mas não adianta um pesquisador, um grupo, adianta é que todos, ou praticamente todos se engajem, se conscientizem, porque algumas coisas nós já sabemos: discriminação nós temos mesmo. Discriminação em relação a raça e a gênero é patente, não preciso mais de micro-dados para chegar à filigrana de ver o quanto de discriminação temos, a discriminação está aí, temos dados já e podemos caminhar. Vamos aos dados. Nesta tabela nós vemos que, se não fizermos aquela observação anterior ( não tenho os dados sobre as mulheres negras, e é um compromisso que eu assumo, na medida em que nós pudermos ter os dados fidedignos, não porque não perguntamos mas porque as pessoas não se autodeclaram), a principio, no geral nós temos mais mulheres na universidade.
No ensino fundamental, nós temos as categorias brancos, pretos, pardos, indígenas e amarelos. Vejam que as mulheres predominam no ensino fundamental e no ensino médio também predominam se bem que a faixa já diminui. Talvez vocês estejam questionando porque eu trouxe apenas esses dois gráficos.
Nós temos muitos números, talvez vocês estejam se questionando Porque me parece que aqui, em termos das mulheres, nos podemos dizer que nós temos as mulheres predominando... Desculpem-me, me equivoquei, este gráfico é dos professores. Estamos falando agora dos professores. Então nós temos mais professoras na educação fundamental e, no ensino médio temos um equlibrio maior,. No ensino superior o numero de professoras negras ele diminui de forma bastante considerável.
Antes de finalizar, eu queria colocar uma questão. Eu queria falar sobre um outro INEP ainda um pouco desconhecido. Que é o CIBEC, Centro de Informações da Educação. Nós queremos resgatar um pouco das ideias de Anísio Teixeira e transformá-lo num centro de memória da educação brasileira. Porque eu estou falando isso agora? Porque na medida em que nós resgatamos isso, nós temos uma biblioteca belíssima com obras raras, nós temos o tesauros da educação brasileira, nós queremos criar um museu. Um museu interativo, em que possamos falar da educação brasileira diferente do que os livros podem nos apresentar - apesar das transformações que estão tendo nesse momento – mostrando o porque de políticas afirmativas. Que bom que no futuro não tenhamos mais políticas afirmativas. Se me perguntar, você é favorável às políticas afirmativas? Não, mas agora sou. É importante, há um desnível muito grande, há um compromisso na nossa sociedade para com a população excluída, então é preciso que tenhamos políticas afirmativas. Mas para poder conhecer a história da educação, hoje, e até podermos analisar os avanços e os retrocessos em determinados períodos históricos, é preciso que tenhamos um museu - eu considero assim – interativo da educação onde possamos contar a história da educação associada aos momentos políticos desde a criação do nosso pais.
Então, é isso que o INEP está pretendendo nesse momento, e eu espero que todos os movimentos ligados à questão da luta contra a exclusão, seja por raça, opção de gênero ou religião, que todos nós possamos nos unir, todas as representações, e nos ajudar a fazer do INEP aquilo que ele vem sendo construído mas que ele possa avançar e possa ser efetivamente ser um reflexo da nossa evolução da educação, para que as questões não sejam esquecidas. E por isso o INEP tem condição de criar um Centro de Memória que possa ter não só um centro em Brasília, mas também, segundo a recuperação das ideias de Anísio, possa ser ramificado por tantos espaços em todas as unidades federais do nosso Brasil. Essa é uma proposta que vai ser ainda consolidada numa discussão que eu gostaria que participantes que estão aqui nessa audiência pública pudessem estar, e a minha estimada, me permita dizer assim, admiro muito o trabalho que a Dra Gilda e que os demais procuradores têm feito em prol da discussão de um país mais justo.
Muito obrigada e peço desculpas se avancei um pouco nos minutos que foram concedidos. É um prazer estar aqui com todos vocês.
19. A PFDC agradece a Presidente do INEP, observando que todos temos a consciência de que o INEP é um instituto importante para a educação brasileira, para os brasileiros, e estamos na torcida para que a senhora consiga alcançar essas metas que sempre traz nas suas exposições e agora com esse compromisso de trazer esse recorte de gênero e raça nas pesquisas educacionais que a senhora possa fazer.
20. Perguntas
1ª. Denise Carreira. Relatora Nacional para a Educação – Plataforma DHESCA Brasil. Parabenizando a professora Malvina pela exposição, assinala que a vitalidade e paixão que ela empresta a suas exposições traz todo um outro lugar, uma outra atitude, outra postura para esse desafio que sabemos ser complexo. Perguntas: Primeiro com relação a esses desafios das desigualdades. As pesquisas, os cruzamentos, as análises que possam explicitar melhor as desigualdades, que é um desafio do nosso país. Nós sabemos que as universidades elas têm um desafio sim, e têm, devem enfrentar esse desafio, que é de interesse público. Mas diante da realidade brasileira, marcada por profundas desigualdades seria importante que a gente avançasse em processos que permitissem esse monitoramento, visando também subsidiar políticas de equalização. Com certeza nós temos ai uma base de dados, existem muitas possibilidades, mas acho que a gente precisa avançar mais no tratamento dessa informação. Como nós colocamos na apresentação, nós saudamos muito a iniciativa tanto do observatório da equidade, o observatório também das desigualdades de gênero e de raça, mas são iniciativas que muitas vezes não conseguem fornecer análises periodicamente e de forma mais organizada. Então é importante que a gente consiga avançar nessas análises visando subsidiar políticas. Então, para além das universidades, volto a bola aqui no sentido da importância do INEP. Principalmente as questões de raça e gênero, campo e cidade, precisava ter um acompanhamento mais preciso por parte do INEP. Essa é uma provocação. A outra é com relação ao censo escolar e ao papel das secretarias escolares. Porque no nosso trabalho com as escolas, na ponta, a gente sente que as secretarias escolares precisam de uma formação – teve somente uma formação que aconteceu, acho que em 2005-, para as secretarias escolares com relação ao preenchimento do quesito raça e cor, de como abordar, de como trabalhar isso com as famílias. Então eu sinto que a gente precisa retomar esse ponto, da formação das secretarias escolares com relação ao quesito raça e cor, precisamos ter uma estratégia para isso. Inclusive para enfrentar esse desafio que a senhora coloca da não declaração, que nós sabemos que é um desafio complexo, tem a ver com todo o racismo, com toda a lógica que está ai, que desvaloriza o ser negro na sociedade, então é difícil essa construção do pertencimento racial num país racista, que historicamente desvaloriza esse pertencimento. Para fechar, com relação à possibilidade de se fazer esse censo específico também com relação aos alunos travestis e transgêneros.
2ª. Maria Luiza Junior – Movimento Negro Unificado. Professora Malvina, eu gostaria de entender porque, estando a lei 10.639 dentro da lei de Diretrizes e Bases, o ENEM não contempla perguntas relativas à história da áfrica e dos afro-brasileiros. Porque se é lei, está dentro da lei, não precisa de mais nada. A impressão que eu tenho, com meu olhar de comunicadora, é que quando os colégios perceberem isso eles não vão usar desculpas, se está no vestibular e se está no ENEM, eles vão colocar efetivar dentro dos seus currículos. Então isso é muito importante conseguir isso, o ENEM pode fazer isso, não precisa consultar ninguém.
3ª. Senhor Ventura. Movimento Negro Unificado. Quilombola. Sou quilombola, filho de quilombola, mulher lavadeira e guerreira que sobreviveu aos massacres da mineração em Minas Gerais. Todos os dias nós olhamos para trás e falamos que minha mãe ela era de um grande saber porque ela dizia que nós só iríamos conquistar alguma coisa através da educação. Quando nós falamos da lei 10.639, porque ela resgata toda a história das mulheres negras de Minas Gerais. Minas Gerais esconde um dos maiores quilombos que teve no Brasil depois de palmares, o quilombo do Ambrósio, do Núcleo da Serra do Salitre, escondido até pelas faculdades de história de Minas Gerais, onde a mineração tomou conta de todos e oprimiram o negro, que eu tenho irmãos de cor, primos primeiros da minha cor, que não se enxergam negros. Porque? A opressão foi tanta que ele nega que é meu parente e que é negro. E vamos conseguir isso como? Resgatando, através da educação, os valores perdidos no passado. E a gente precisa do Ministério Público, porque nós fizemos todas as ações possíveis: Defensoria, Ministério Público, e a lei está lá travada, não andou. E a gente queria saber, porque a nossa confiança no Brasil é no Ministério Público, porque onde está a mineração, os latifundiários, que através dos nossos documentos de posse eles mudaram todos os nossos testamentos, inventário, e nos negam a posse da terra. E os latifundiários e os invasores têm mais valores desde a invasão das nossas terras, porque foram os poderosos que falsificaram e nos tomaram a terra. Então a gente queria saber até que ponto o Ministério Público pode criar políticas públicas que realmente cheguem nos quilombos, nas mãos das quilombolas, para que elas possam dar o sustento, e sair da panha do café, escravas nas suas próprias terras.
3ª. Sra Santana. Eu queria saber quando o INEP vai desenvolver alguma pesquisa em relação à integralização da escola, para jovens, principalmente para as pessoas que trabalham que são mães que não têm como e onde deixar seus filhos, e seria uma questão bem relacionada com a sociedade mais carente.
4ª. Leandro. Estudante de Comunicação. Jornalismo. 6º Semestre. Em relação a se criar mecanismos que de certa forma obriguem as pessoas a colocarem lá a sua cor, sua etnia, eu fiquei pensando em como se criar um mecanismo dessa forma uma vez que o Brasil é um país de miscigenação e as pessoas em grande parte dos casos não sabem qual é, na verdade, a etnia dela. Tem pessoas que são brancas mas acham que são amarela, tem pessoas que se consideram pardas e outras negras, não sendo. Inclusive teve alguns casos, por exemplo o caso de alguns anos atrás, de irmãos gêmeos que foram considerados negros e outros não. Porque é uma questão muito complexa para que se possa criar um mecanismo que as pessoas vão dizer: eu sou negro, eu pardo, eu sou amarelo, é difícil, e eu queria saber como poderia ser esse mecanismo.
5ª. Wilson Waleci. Assessoria PFDC. Eu gostaria de saber se existe no INEP pesquisa histórica sobre educação, porque, por exemplo, a minha mãe fez 82 anos agora e tempos atrás ela falou que depois da abolição uma das leis dizia que filhos de negros só poderiam estudar ate a 4ª série. Depois, uma outra lei, que os negros só poderiam estudar à noite e até a 4ª série. Se o Estado colocou leis proibindo os negros de terem acesso à educação, houve um racismo institucional. Se hoje o Estado indeniza, repara pessoas perseguidas pela ditadura militar, acho que minha mãe tem o direito a ser reparada, e eu como filho dela que fui prejudicado. E fico vendo, o Ziraldo recebeu um milhão de reparação, porque foi perseguido pelo regime militar, e é contra as cotas. O que houve foi uma reparação e o que minha mãe quer seria uma reparação, então eu queria saber se existem pesquisas sobre o assunto, para que possam ser usadas como argumentos em defesa da política de cotas, das ações afirmativas.
6ª. Denise Carreira. Só com relação aos cruzamentos, Dra Malvina, nós no informe Gênero e Educação tivemos muita dificuldade, até conversamos com várias entidades do campo da inclusão, para conseguir abrir os dados mulheres e homens deficientes que estão no ensino regular e na EJA e pessoas com deficiência por raça/cor, então esses cruzamentos são de fato bastante difíceis para a gente conseguir, mesmo com os micro-dados.
21. Respostas. Presidente do INEP. Dra. Malvina Tuttman.
Denise, também é um prazer muito grande sempre lhe ouvir. Em relação aos dados coletados, o INEP tem, como falei anteriormente, mais do que obrigação de fazer, e faz, todos esses recortes com relação a raça, ao gênero, ao campo, a pessoas com deficiência, enfim, fazemos isso. Em relação a raça/cor eu não vou me aprofundar porque nós temos essa dificuldade e eu não sei, como exatamente eu não sei. Não sei se é um mecanismo legal e jurídico e por isso até quero me aconselhar com a Dra. Gilda e outros profissionais que possam nos orientar formalmente, não nesse momento, uma consulta formal do INEP no sentido de ver que mecanismos podemos ter. Eu não sei, fica essa pergunta e reafirmo essa pergunta como fundamental e importante já que nos não temos precisão nos dados em relação a raça/cor.
Políticas de equalização, tratamento da informação, monitoramento. Há necessidade não só do INEP, o INEP não pode fazer todas as pesquisas, que pesquisas são inerentes à missão do INEP. As pesquisas em termos das políticas públicas que estão sendo implantadas e que vêm sendo desenvolvidas. É preciso que cada vez mais possamos ter políticas que acompanhem, políticas de avaliação – ações de avaliação, metodologias de avaliação – que acompanhem e possam não só levantar os dados mas que possam dar respostas. Mas o INEP, assim como o IBGE, o IPEA, trabalha também, não só, mas também estatisticamente. Então muitas pesquisas são importantes, algumas nós realizamos, pesquisas macro, mas pesquisas mais focadas são importantes, Santana, como essa que você realiza, é preciso que outras instituições realizem, sejam sacudidas por essa necessidade. Então é preciso que o INEP também direcione, fomente pesquisas em relação a essas ações que estão sendo desenvolvidas ou não, e verifiquem de que forma elas estão sendo desenvolvidas, e o que pode ser feito. Mas ele não tem essa atribuição de fazer todas as pesquisas que o país precisa, mas sim disponibilizar, dar transparência a todos os dados, para que esses dados também sejam trabalhados por diferentes instituições. Não estou tirando o INEP dessa situação porque ele é um instituto de pesquisas, também, mas ele não dá conta de fazer todas as pesquisas que o país precisa, então é necessário que possamos dizer quais as pesquisas que são importantes para evidenciar se as políticas públicas em relação à educação estão atingindo as metas, por exemplo, traçadas no PNE, para dar uma ideia.
ENEM. Questões históricas. O ENEM, Maria Luiza, tem que contemplar mais essa questão histórica, mas essa última edição do ENEM já tivemos algumas questões referentes a isso. Mas muito pouco ainda.
Prof.ª. Maria Luiza: A mim não pareceu que tinha uma resposta certa, todas as respostas poderiam ser encaixadas, a mim me pareceu mais uma opinião.
Prof.ª Malvina Tuttman: Não Maria Luiza, eu não me lembro exatamente da questão, mas há uma resposta certa porque saiu inclusive no gabarito, não foi questionado pelos professores, enfim, mas você tem razão, já há isso, mas há que se ampliar mais e mais, porque esses instrumentos de avaliação mas são também indutores de mudança de práticas. Essa ai é uma defesa que nós fazemos também da importância do ENEM, mas que não cabe nesse momento, que já ultrapassei.
Racismo e reparação. Pesquisas e dados históricos. Wilson, de uma certa forma eu já falei sobre a questão da pesquisa e por isso há a proposta nesse momento de ampliar as ações do INEP, não só para avaliações em larga escala e para levantamentos estatísticos importantes, e logicamente para alguns cruzamentos importantes, mas também para a questão da História da Educação. E há pouco eu falei, sobre esse centro de memória que nós queremos ampliar e com isso vamos contar, logicamente, com a participação de profissionais, de movimentos importantes, que tratam dessa questão sob vários olhares. Então, de uma certa forma é isso.
Formação para as Secretarias Escolares. Denise, importantíssima a questão sobre do gênero, de verificarmos a formação das Secretarias Escolares. Nós estamos fazendo e vamos fazer agora uma discussão do Censo no Maranhão dias 12 e 13. Porque no Maranhão? Porque os IDEBS do Maranhão são os mais críticos do nosso país, então nós estamos reunindo as Secretarias de Educação do Estado e do Município no Maranhão, quando nós vamos discutir essas questões, inclusive as conceituais, até para entender porque que é importante preencher adequadamente, não só burocraticamente, o censo. E ai na questão preenchimento pelas secretarias escolares, vamos trabalhar não só as questões conceituais, os construtos, mas também a questão logística, de como preencher adequadamente para termos um retrato mais fidedigno na educação do nosso país. Eu queria falar muito com vocês, mas certamente a Dra Gilda vai fazer outros momentos como esse, e eu terei o prazer, se não estiver aqui falando desse lado com vocês, estarei do outro lado, ouvindo e aprendendo. Muito obrigada e desculpe pelo avanço do horário.

22. Exposição: Produção de dados com recortes de gênero e raça. Dra. Ana Lúcia Saboia. Gerente de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Boa tarde, o IBGE agradece o convite de estar aqui no dia de hoje, é muito importante que o instituto de estatística, órgão oficial do governo, retrate a sociedade, aliás essa é nossa missão institucional, retratar a realidade para que se possa exercer uma plena cidadania. Então a nossa responsabilidade é muito grande e o objetivo da minha apresentação hoje aqui é apresentar esse esclarecimento de como se produz dados de cor ou raça nas pesquisas do IBGE. E também divulgar uma publicação que nós acabamos de fazer e que tem um conjunto muito grande de dados com essa variável cor ou raça, justamente sobre todos os municípios brasileiros - “Indicadores Sociais Municipais -Uma Análise do Universo do Censo Demográfico 2010”.5 Então, eu acho que é importante falar que existem informações bastante, agora em número grande, para os cinco mil quinhentos e sessenta e cinco municípios (5.565), depois do advento do Censo de 2010.
Esse primeiro quadro (“Variável cor/raça nas pesquisas domiciliares do IBGE”) é muito importante explicar como é que estas categorias raciais do IBGE e no Censo demográfico foram construídas. O Brasil é o pais da América Latina que tem a série mais extensa sobre a investigação da cor ou raça da população. A gente tem essa pergunta desde 1.872, nesse Censo. Esse Censo, quem declarava: a população livre, ela que definia sua cor e a população escrava só poderia definir a cor como preta ou parda. Como podem ver os anos, as categorias são praticamente muito semelhantes. Branca, preta, mestiça e cabocla em 1890, foi passando e chegando aqui... não tivemos o censo em 1970 e de 80 para cá essas categorias ficaram: branca, preta, parda e amarela. Em 1991 entrou uma outra categoria que foi a indígena, que na verdade foge um pouco ao conjunto de categorias desse sistema de classificação que, como eu disse, existe há muito tempo. É interessante, voltando aqui um pouco em 1940, surge essa categoria de “amarela”, justamente depois que começaram os movimentos de emigrantes japoneses e asiáticos a chegarem no Brasil. Alguns estudiosos dos sistemas de classificação dizem que uma das razões pelas quais esses emigrantes foram chamados para o Brasil, justamente em 1920 e 30, foi para “embranquecer” a população brasileira, que naquela época era maior a população de cor ou raça preta ou parda.
Então, só para mostrar para vocês que essa série é longa, existe há muito tempo, mas desde o Censo de 1991, nós temos discutido com a sociedade civil e com a academia justamente um repensar desse sistema de classificação. Saber se ele está bom, se está atendendo, se as pessoas querem se classificar dessa forma. Porque, na verdade, o ato de se classificar pode ser muito bom se ele for construído de uma forma democrática, se as pessoas se sentirem representadas naquele grupo. O ato de classificar ele existe desde que começaram os estudos de botânica, quando tiveram as primeiras preocupações em dizer: essas árvores são desse conjunto, essas são desse outro. Então classificar-se não quer dizer algo ruim, pelo contrário. Você se classifica por identidade ou por não identidade. Por diferença ou por identidade.
Então o sistema de classificação, é interessante que ele exista, mas precisa ser construído democraticamente. Eu me sinto muito a vontade de falar sobre isso, porque estou, vai fazer quase trinta anos trabalhando com estatística e na minha área é que se desenvolve o projeto de estudo do sistema de classificação, então eu sou bastante comovida com esta questão e desde o censo de 1991 já havia essa preocupação, nós fizemos várias consultas e chegamos à conclusão que a gente deveria fazer um reestudo. Mas como sempre, o que acontece, o país, a nação, o Estado ainda não tem uma confiança total, não acredita muito em estatística, em pesquisa, então a gente não tem recursos todo ano para fazer estudos sobre isso. Então em 91 já havia uma parte dos movimentos da sociedade civil querendo fazer algumas modificações, mas não houve tempo hábil para fazer no de 91. Inclusive teve uma campanha muito grande em 91, não sei se vocês lembram, muito interessante, que apareceu na televisão e vários cartazes, que foi “Não deixe passar em branco sua cor”. Foi um censo que foi muito interessante, houve muita gente respondendo a esse quesito, que é o quesito de autodeclaração. E quando foi chegando o Censo de 2000, um dos presidentes do IBGE na época, dois ou três ele quis fazer uma tentativa de modificar e fazer com que esse sistema atendesse melhor, então nós fizemos uma pesquisa em 1998 nas seis regiões metropolitanas do país, mas considerando, junto – outra coisa que quero deixar bem claro: o IBGE não pensa sozinho, não sou eu lá dentro da minha sala e com as pessoas que trabalham no IBGE é que agente decide essas coisas. Nós temos um Conselho Consultivo com pessoas de várias áreas, especialistas. Nós chamamos os especialistas para discutir com a gente todas as mudanças de questionário e tudo. Então, nessa época, em 2000 houve esse problema que a gente fez uma pesquisa mas os resultados não foram satisfatórios o suficiente para que houvesse uma mudança do sistema de classificação. Que se mudasse, tivessem outras categorias, ou se aceitassem uma múltipla categorização, etc. Eu sou testemunha, em 2000 estávamos lá tentando, começou 2002, um projeto para fazer, estudar e tal, resultado: nunca tinha dinheiro, ninguém se interessou para fazer isso mas conseguimos, graças a nossa equipe, fazer uma pesquisa em 2008 para rever, tentar entender esse sistema de classificação. E essa pesquisa foi feita, que nós consideramos muito pequena, 15 mil domicílios, o que é considerado um survey de porte bastante bom, mas infelizmente só pudemos fazer fazer esses 15.000 domicílios divididos em cinco unidades da federação e o Distrito Federal. E essa pesquisa foi super interessante, eu vou falar sobre dela um pouquinho mais para a frente, porque justamente a gente pergunta sobre o pertencimento, se a pessoa sabe dizer sua cor, e tem uma série de questões interessantes ai que a gente quer colocar no debate público mas ainda enfrentamos dificuldades.
Eu queria dizer também que a variável cor/raça do IBGE, hoje em dia – desde 1987 – na PNAD, que é a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios – que é uma amostra de 150.000 domicílios anuais, essa pesquisa vai a campo todos os anos, e tem essa variável da cor que sempre é respondida, ou seja, todas as informações que tem nessa pesquisa podem ser cruzadas por cor ou raça. A PME, passou a ter desde 2004, a PME é a Pesquisa Mensal de Empregos, todos os meses, quantas pessoas estão desempregadas por cor, quantas saíram, enfim, tudo sobre mercado de trabalho dá para fazer por cor. E a POF, que é a Pesquisa de Orçamentos Familiares, teve nos anos de 2003 e 2008, também contém essa variável. Então a gente pode conhecer os orçamentos das famílias que são de cor preta, de cor parda, indígenas ou brancas. Então é só para dizer que o IBGE está perseguindo essas questões já a algum tempo em todas essas pesquisas. Aqui não está aparecendo bem no slide, mas nesse censo de 2010 a gente teve um grande desafio que foi colocar a pergunta de auto-identificação da cor no questionário básico que foi aplicado a todos os domicílios. Houve, de uma certa forma, uma surpresa muito grande, porque a gente teve pouquíssima subdeclaração, ou seja, a não declaração ao quesito foi mínima, foi residual, a população brasileira respondeu ao censo nessa questão. É importante explicar que, como essa pergunta foi feita para todo mundo, nós podemos ter agora essa realidade do município com muito mais critério porque nos estamos considerando as variáveis estruturantes dos indivíduos são: sexa, idade e a cor. Então, tudo que tem no censo, todas essas informações podem ser cruzadas. Aliás eu fico super empolgada, época de censo é fantástico, a gente consegue fazer uma série de estudos, a gente consegue conhecer o Brasil por dentro.
Nesses estudos que eu vou mostrar rapidamente para vocês, nós vimos a questão do analfabetismo, vimos que o Brasil melhorou muito, ótimo, mas ainda tem um grande número de municípios onde a taxa de analfabetismo é superior a 25%, o Programa Brasil Alfabetizado está se preocupando com isso, mas a gente descobriu que desses 1.304 municípios que têm uma população com 25% de analfabetos, tem 564 municípios que não têm programa de EJA. Então, o Censo te dá todas essas possibilidades de conhecer o nível micro, de ver como está naquele município, aquelas pessoas, a renda, o que está acontecendo ali. Isso é uma visão do Brasil que a gente só tem de dez em dez anos, e a operação censitária é de uma complexidade, que aqui não dá para contar para os casos que existem nos Censos, você fazer um Censo num país de extensão continental como o nosso.
Então, a pesquisa das características Étnico-raciais da População foi uma pesquisa que tinha objetivos múltiplos para compreender melhor o atual sistema de classificação da cor ou raça utilizado nas pesquisas domiciliares do IBGE, contribuindo para seu aprimoramento. A pesquisa trouxe uma inovação metodológica: a seleção exclusiva de um (1) entrevistado por domicílio, ou seja, a gente pegou a declaração daquela pessoa exatamente sobre ela, a gente só fazia uma pessoa por domicílio, numa amostra como foi essa. E isso foi muito difícil, porque se você sorteia a pessoa e ela não está em casa, tem que marcar encontro, selecionar para o celular da pessoa, marcar no bar da esquina, no trabalho, porque responder ao IBGE é uma obrigação do cidadão brasileiro. Mas houve muita aceitação, não tivemos problema com isso não.
Essa pesquisa, nós a divulgamos em julho desse ano, ela foi a campo em 2008, ela está na internet, todo mundo pode fazer um download, é de graça e tem informações muito importantes. Uma das primeiras perguntas que nós fizemos nessa pesquisa foi se a pessoa saberia dizer a sua própria cor ou raça, e 96% disse que saberia dizer, quer dizer, as pessoas sabem dizer o pertencimento delas, não existe erro. Se você pergunta qual é a sua cor, eu posso dizer que acho que sou morena, mas se ai o IBGE me diz: na classificação do IBGE tem branca, parda, preta, amarela e indígena, qual que a senhora se classifica? Bom, eu posso querer dizer que sou morena, mas se eu entro nesse sistema de classificação, eu me consideraria branca, porque na sociedade brasileira eu me sinto dentro do correspondente ao que quer dizer a pessoa de cor ou raça branca. Enfim, é uma questão de identidade, mas tem esse sistema que está aqui, que pode mostrar que existe uma grande consistência dessas respostas, apesar do sistema ser fechado e não admitir múltipla resposta, nem perguntar a origem, nem pertencimento, apenas pergunta “qual é a sua cor”. Uma coisa interessante, nessa segunda tabela. As Unidades da Federação (U.F) que nós fizemos a pesquisa foram Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Aqui tem uma média desses estados, não quer dizer que é o Brasil. Por exemplo, a categoria negra só atendeu a 7,8% das respostas. A categoria parda atendeu a 13,6%, em média, das respostas, a morena atendeu a 21,7%. Ou seja, a gente não poderia dizer que em 100% das respostas as pessoas querem se classificar como negras, mas o conjunto de pessoas pretas e pessoas pardas, dependendo do tipo de pesquisa e de como você está classificando, explicando que são dois grupos étnicos que podem ter pertencimentos diferenciados. Você pode juntá-los, por questões estatísticas de representatividade, mas na verdade são dois grupos, porque nem todas as pessoas que são pardas querem ser chamadas de negras ou são de origem afro, são pessoas que têm origens diferenciadas; podem até se chamar de negros por identidade de opressão, de discriminação.
Então, sendo muito rápida, esta publicação “Indicadores Sociais Municipais” também está na internet, a gente acabou de divulgar, tem um mês, ela tem um capítulo sobre cor e raça, nós fizemos aqui uma série de tabulações e vimos que existem no Brasil um conjunto de municípios que 99% da população se classificou como branca e em outros 99% das pessoas se classificaram como pretas ou pardas. Então o censo te dá uma visão do Brasil em todos esses aspectos. Aqui na questão de gênero, também tudo pode ser visto também com esta questão homem/mulher, as diferenças. Eu fiz mapas para mostrar essa distribuição da população e parece bastante interessante como faz todo sentido do ponto de vista histórico, da distribuição da população pelo território nacional. Então vocês podem ver que no norte e no nordeste tem menos população que se declara branca do que no sul. No sul tem bem menos pessoas que se declaram pretas ou pardas. Infelizmente, não dá tempo de detalhar, fazendo uma análise mais histórica e mais do território, mas no livro está feita a análise e vocês podem ver. Nessa publicação tem uma série de dados por tamanho de município, nós fizemos a razão entre as médias de rendimento, mostrando que existe uma diferença muito grande de renda entre as pessoas brancas e pardas e pretas, fizemos as duas ou três combinações, enfim, infelizmente não dá para detalhar os dados, mas isso é para mostrar que temos uma quantidade muito grande no IBGE, quem quiser pode entrar em contato conosco no IBGE, nós atendemos a todos os usuários, não temos discriminação nenhuma, o IBGE tem um 0800 e os contatos: ana.saboia@ibge.gov.br; Leonardo.athias@ibge.gov.br; jose.petrucelli@ibge.gov.br. Nós três podemos atender vocês em algumas questões relativas a categorias de cor, a todos esses seminários e consultas que a gente faz com os movimentos da sociedade civil e com a academia, quem quiser entrar em contato conosco e colaborar, analisando esses dados, vendo que eles estão contribuindo para alguma coisa, porque é muito frustrante não ter feed-back, temos alguns mas eu gostaria de ter mais. Muito obrigada e até a próxima.
23. Dra Gilda Carvalho agradece exposição e pede a compreensão dos participantes para anotarem as perguntas e fazê-las ao final de todas as apresentações, diante o adiantado da hora. Observa sua satisfação por estarem disponíveis as publicações, estudos que certamente podem orientar a PFDC em relação aos seus planos de trabalho e a outros órgãos presentes.
24. Exposição: Ações pela promoção do respeito aos direitos das mulheres à não discriminação nos meios de comunicação – Sra. Ângela Maria de Lima Nascimento - Diretora de Programas da Secretaria de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR
Boa tarde a todas e todos, trabalho na SEPPIR e na Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, nós trabalhamos com as políticas de ações afirmativas, agradecemos esse convite para compartilharmos com vocês o que nós estamos realizamos e ao mesmo tempo quais são os desafios que nós encontramos, no contexto de uma instituição recente dentro do Estado Brasileiro, cujo objeto principal é promover políticas de combate, de superação da discriminação racial. No início do ano, movidos pela elaboração do Plano Plurianual do Governo Federal, nós fizemos o planejamento interno e uma das questões centrais na nossa análise sobre a realidade brasileira diz respeito exatamente a esta representação que foi construída negativamente sobre o ser negro. E no caso das mulheres, essa representação construída sobre nós mesmas tem um poder, um impacto, sobre os acessos diferenciados, digamos assim, as desigualdades que nós temos enquanto mulheres, no caso das políticas públicas. Então, seja na hora de termos acesso ao mercado de trabalho, seja na hora de sermos entrevistados - ainda é comum nós identificarmos nos classificados de jornais a tal da “boa aparência”, e esta “boa aparência”no Brasil tem um significado para nós bastante explícito do ponto de vista da cor, há vários e vários exemplos que precisaríamos muito tempo para debruçar sobre isso.
Dentro da institucionalidade que assumimos, a SEPPIR compreende que um dos objetivos principais desse plano é exatamente reverter as representações negativas sobre o sujeito negro que estão presentes no conjunto dos meios de comunicação e que estão presentes no dia-a-dia das relações sociais. Relações sociais que foram construídas historicamente com base nas desigualdades entre negros e brancos e também população indígena. Então, dentro da missão da SEPPIR que é promover a igualdade e a proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos afetados pela discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra, nós estamos priorizando junto aos diversos Ministérios, principalmente aqueles Ministérios cuja ação tenha um impacto no sentido de reverter essas representações – por exemplo no campo da educação, no campo da cultura, no campo do patrimônio histórico – uma vez que, quando a gente traz à tona o lugar socialmente construído para a mulher negra, é um lugar marcado pela invisibilidade. Ou, quando da visibilidade, é uma visibilidade associada a estereótipos negativos, a estereótipos que acabam fazendo com que esta mulher negra seja posta como menos humana do que a mulher branca. Então para chegarmos a isso hoje, para chegarmos ao estabelecimento dessa missão, nós temos que levar em conta - e ai quando Ana Saboia coloca os dados do IBGE nós compreendemos - o quanto tem sido importante a luta dos movimentos negros em torno dessa visibilidade. Depois eu vou voltar durante o debate, porque essa questão do processo de identidade da população negra, como o jovem colocou antes, há uma problemática de nós nos identificarmos? O que que representa o percentual de pretos ainda baixo em relação a quantidade de pretos que nós temos.
A gente sabe, enquanto instituição, que o componente racial foi construído de forma a estruturar relações entre os segmentos, que acabaram negando este sujeito negro. No caso das mulheres negras, a gente percebe que, apesar da quantidade de mulheres negras – e se a gente pega os últimos dados, o percentual de mulheres negras no Brasil - nós temos, a maioria da população: mulheres; e entre as mulheres brancas e negras a maioria mulheres negras. As mulheres representam 51,3% da população brasileira, sendo 49,3% mulheres brancas e 49,9% mulheres negras.
Então, para a SEPPIR, há que se trabalhar junto aos Ministérios no sentido agregarmos políticas públicas que contribuam para trazer a visibilidade dessas mulheres, seja a partir da produção de pesquisas, mas também que essas pesquisas, que essa visibilidade possa se traduzir em políticas públicas. Mas também uma das questões com as quais nos deparamos tem sido a presença da prática da violência em diversos tipos de violência sobre estas mulheres negras. Ora, se a gente pega do ponto de vista do acesso das mulheres negras ao rendimento, ao mercado de trabalho, nós vamos encontrar que há um percentual significativo de mulheres negras no trabalho doméstico. O trabalho doméstico, além de concentrar um percentual de mulheres negras, ele ainda apresenta-se como um trabalho precarizado do ponto de vista de outras ocupações. Apesar do reconhecimento que a Constituição traz em torno da categoria das trabalhadoras domésticas e dos trabalhadores domésticos, essa categoria ainda apresenta-se submetida, subordinada a práticas de grandes formas de discriminação. Nós inclusive estamos trabalhando com a SPM no sentido de trabalharmos uma parceria, uma vez que a SPM está voltada para as políticas de promoção para as mulheres e a SEPPIR para as políticas da promoção da igualdade racial, mas quando se fala em mulher negra é preciso trabalharmos exatamente essa relação entre o combate ao racismo e o combate ao sexismo. E ai a gente tem construído, tem aprofundado, na SEPPIR mas também com base nas pesquisas de pesquisadoras negras, o conceito da interseccionalidade, no momento em que ele permite a nós gestores identificarmos como trabalharmos com ações políticas que consigam fazer o enfrentamento do sexismo e do racismo.
A pauta principal para hoje, vocês nos provocaram no sentido de perguntar quais são as ações que a SEPPIR tem feito para reverter esse quadro de discriminação. Vejam, as ações elas visam principalmente fazer chegar à sociedade como um todo mas principalmente à gestão pública aos organismos governamentais a compreensão, o entendimento de que há um legal de promoção da igualdade racial no Brasil considerável. Só que esse marco legal que traz a nossa condição e igualdade – mulheres negras e mulheres brancas – ele ainda nos apresenta um desafio quanto a sua real efetivação. Isso nos traz: que necessidades, que estratégias, que ações deveremos estar trabalhando? Ora, no campo da reversão desse imaginário negativo. Então, a campanha “Igualdade Racial é para Valer”, ela foi lançada em março desse ano, nós estamos no Ano Internacional dos Afro-descendentes, encampado pelas Nações Unidas. Então vimos que uma campanha voltada para promover esta igualdade ela tem como objetivo fazer com que a sociedade reflita sobre o lugar que essa população negra ainda tem no conjunto dos indicadores sociais, e dentre eles as mulheres negras, que apresentam para o conjunto de pesquisas o lugar onde ela agrega as famílias mais pobres, mulher negra agrega as famílias com maior número de crianças, maior número de adolescentes. E, com o crescimento de famílias chefiadas por mulheres no Brasil, essas mulheres negras também engrossam esses percentuais, mas ao mesmo tempo apresentam uma concentração de famílias pobres. E a gente sabe das repercussões disso para a vida familiar mas não é esta a tônica com a qual estamos trabalhando. Então a Campanha “Igualdade Racial é para Valer”, como ela está acontecendo: nós estamos trabalhando com Ministérios, Fundações, Municípios, Estados, no sentido de estimular principalmente o poder público para sua adesão à campanha, mediante um plano de ação, mediante um protocolo de intenções, para que possam vir a desenvolver ações que revertam essas desigualdades, essas discriminações.
Recentemente, a SEPPIR, no dia 27 de outubro, firmou um protocolo de intenções com o Ministério da Saúde, e a saúde é uma das dimensões onde essa desigualdade, no caso da saúde da mulher negra, aparece de forma muito evidente, então são muito importantes essas ações que a gente está firmando com o Ministério da Saúde e com diversas outras organizações. Mas, trazendo para o campo da Cultura, há dois meses atrás houve um Seminário com a Assessoria de Comunicação da Presidência da República, junto com a SEPPIR, no sentido de discutir como a Assessoria de Comunicação incorpora a dimensão racial na publicidade. E isso está dentro de um dos objetivos do PPA que é exatamente o de reverter essas representações, tendo na administração pública federal um parceiro. Então, na verdade nós estamos inciando um processo de informação, de discussão, a receptividade tem sido muito boa, porque a administração pública federal, no conjunto das campanhas, como é que ela dá visibilidade a essa realidade, à participação das mulheres negras, da juventude e dos homens negros. E, também, recentemente na semana passada nós participamos com apoio no 8ª Edição do Seminário Mulher e Mídia, que tem sido organizado pelo Instituto Patrícia Galvão, em São Paulo, com um conjunto de outras organizações. O Seminário tem-se dado anualmente no Rio de Janeiro. Ele tem possibilitado a discussão entre os vários movimentos de mulheres e governo quais têm sido as políticas no campo da comunicação com potencial de reversão dessa imagem negativa.
O que eu queria ressaltar é que, na medida em que nós temos no Ministério Público, no campo das instituições voltadas para a defesa dos direitos humanos, e a defesa dos direitos da população negra, tem sido fundamental essa ação em parceria. Eu estou vendo aqui a companheira Bernadete, lá de Pernambuco, nós atuamos juntas durante um bom período, eu venho também daquela terra, e nós identificamos a grande importância que têm tido os ministérios públicos, tanto no processo de identificação do racismo, nas tentativas de se transformar racismo em injúria, e muitas vezes casos que a população traz como racismo acabam se descaracterizando, então tem sido muito importante a ação do Ministério Público no sentido de sensibilizar e de formar os seus profissionais. E ao mesmo tempo, enquanto governo federal, enquanto SEPPIR, a gente se coloca à disposição para conversar com vocês, para estarmos fortalecendo essas ações, porque o nosso compromisso tem sido exatamente o de fazer com que as mulheres negras, pela participação que elas têm na história dessa sociedade, na construção da riqueza nacional, na construção dos pilares que moldam a nossa sociedade do ponto de vista da cultura, da organização familiar, essas mulheres precisam ganhar o seu reconhecimento, elas precisam ter a sua dignidade assegurada, sob pena de reproduzirmos a desumanização.
25. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra Gilda carvalho, agradece a expositora e convida a procuradora da República Márcia Morgado para expor o tema da atuação cível pelo direito das mulheres à não discriminação na programação televisiva.
26. Exposição: Atuação cível pelo direito das mulheres à não discriminação na programação televisiva – MPF - Dr ª Márcia Morgado – PR/RJ.
Primeiro dizer da relevância desse evento que é sempre um aprendizado, uma capacitação como membro do Ministério Público, e seguindo o que foi falado pela professora Malvina, devemos nos unir e avançar porque leis efetivamente não faltam. Então, pelo tema que me foi passado, eu vou falar da atuação cível pelo direito das mulheres à não discriminação na programação televisiva e vou dar alguns exemplos de atuação do Ministério Público Federal.
Primeiramente, eu vou apresentar o Grupo de Trabalho “Comunicação Social”. A PFDC abrange vários temas, então determinou-se pela criação de grupos de trabalho, e um dos temas, por ter sido considerado prioritário, é a comunicação social, e nós atuamos desde 2004. Eu atualmente como Coordenadora, o colega Marcus Vinícius Aguiar Macedo, do Rio Grande do Sul (PRR – 4ª Região), o colega Fernando de Almeida Martins, de Minas Gerais, como suplente o colega Luiz Fernando Gaspar Costa, de São Paulo e hoje em dia há uma vaga em razão de que o colega Domingos foi nomeado ao cargo de Ouvidor nacional dos Direitos Humanos em Agosto de 2011.
O GT Comunicação Social foi criado em 2004, e visa auxiliar a PFDC na atuação relativa a diversos temas da comunicação social. É importante saber que não é um órgão de execução, é um grupo que auxilia a PFDC e também faz encaminhamentos das representações recebidas aos colegas que vão ter atribuição no caso. Nossa atuação também não é exclusiva nesse grupo de trabalho, cada uma tem sua atuação nos seus respectivos Estados, mas a importância desse grupo é porque também realizamos parceria relativas ao tema Comunicação Social que facilitam a atuação dos colegas na ponta e também a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, no tema comunicação social. Nesse sentido a gente pode exemplificar a parceria com o DEJUS, Departamento de Justiça e Classificação Indicativa, que atua muito com reuniões e estão sempre acompanhando a questão da classificação indicativa, e também o Conselho Federal de Psicologia, Ministérios Públicos de Estados, então realmente conseguimos com esse trabalho um avanço no acompanhamento da política pública da comunicação social.
Entrando no tema Programa Televisiva, eu fiz questão de colocar esse tópico, porque é importante uma conscientização de todos de que a concessão do serviço de radiodifusão é um serviço público federal, não é um serviço privado, então não é um favor o cumprimento de das leis e normas relativas a esse tema, é uma obrigação, efetivamente, das empresas que são concessionárias. E nesse caso, tanto o poder executivo quanto o legislativo têm a sua responsabilidade nessa concessão desse serviço. E é importante destacar o Artigo 221, porque é nele que consta o conteúdo que se pretende na programação televisiva, que é relativo às finalidades educativas, à regionalização da produção cultural, a produção de cultura nacional e regional e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, isso está na Constituição Federal.
Eu queria passar para vocês as possibilidades de atuação cível do Ministério Público, no caso destaquei o Ministério Público Federal. Recebida uma Representação ou tendo-se conhecimento de uma notícia relativa, no caso, a comunicação social, pode haver a instauração de um Procedimento Administrativo ou um Inquérito Civil Público, em que vão ser expedidos ofícios, colhidas as provas relativas àquele fato que foi noticiado. Pode ser expedida uma Recomendação, que neste caso vai buscar sustar aquela situação considerada discriminatória ou aquele ato não condizente com a legislação; um Termo de Ajustamento de Conduta, em que a emissora comprometa a não continuar a prática daquela conduta considerada irregular, e também a propositura de Ação Civil Pública. Nessas Ações Civis Públicas, o que podemos pedir: que aquele programa seja suspenso, que aquele quadro de um determinado programa seja sustado, que aja uma contrapropaganda àquela lesão que foi divulgada, dano moral coletivo - e aí é importante a concepção que nós defendemos do dano moral coletivo, de que uma vez constatada essa violação, à legislação a um valor considerado fundamental à sociedade, esse dano não é necessário uma prova mais detalhada, uma prova individualizada dele, e muitas vezes não há esse entendimento e essa compreensão pelo judiciário. E não comprovada nenhuma irregularidade, encaminha-se ao arquivamento, que sempre é submetido à PFDC, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, para fins de homologação ou não.
Eu começo a citar alguns exemplos que entendi mais relevantes para o tema de hoje, com o exemplo do Big Brother Brasil, que antes de iniciar este último programa, de janeiro do presente ano, a PFDC já recebeu inúmeras representações, já preventivamente, a sociedade já preocupada com as possíveis violações que aquele programa poderia trazer. Como GT, fizemos reunião com a emissora, com os representantes e a PFDC expediu uma Recomendação, antes da veiculação do Programa, dentre os quesitos da Recomendação estava um que era da adoção das medidas preventivas para evitar veiculação de violações a direitos humanos. Como eu no Rio de Janeiro sou a Procuradora que tem atribuição para esse caso, instaurei um procedimento de acompanhamento do cumprimento dessa Recomendação e, ao final do Programa, pela análise do DEJUS e todo o monitoramento do departamento do Ministério da Justiça, verificou-se que não foi constatada uma violação nesse aspecto e nem descumprimento da Recomendação, o que gerou o arquivamento do procedimento.
Ação Civil Pública MPF (PR/SP) – em parceria com a sociedade civil – em face da REDE TV, do apresentador João Kleber e da União– ano 2005 – Programas “Tarde Quente” e “Eu Vi na TV”. Outro exemplo que entendo como um marco na atuação relativa à discriminação, foi a do colega de São Paulo, Sérgio Suiama, no ano de 2005, relativa ao “Programa Tardes Quentes” e ao “Eu Vi na TV”, de João Kleber, vocês devem ter ouvido falar, em que foram constatadas graves violações a direitos humanos e dentre essas discriminações e ofensas a mulheres, as mulheres eram agredidas pelos namorados, havia o teste de fidelidade, haviam pegadinhas. Foi pedida nessa ação a exibição de contrapropaganda, dano moral coletivo, que se abstivessem de exibir esse tipo de situação no programa, e a liminar foi concedida. Eu achei tão relevante que eu transcrevi um trecho que representava a síntese do que acontece nesses programas:
Liminar: “(...) Não se trata de humor lúdico, mas visa alcançar o riso daquele que o assiste através do escárnio. Escárnio, no Dicionário Aurélio, remete ao verbete “zombaria”, que tem como definição a “manifestação intencional, malévola, irônica ou maliciosa, por meio do riso, de palavras, atitudes ou gestos, com que se procura levar ao ridículo ou expor ao desdém ou menosprezo uma pessoa, instituição, coisa, etc., e até sentimentos...” “Tal escárnio é efetuado principalmente através da adoção de atitudes claramente depreciativas, preconceituosas e deturpadas de estereótipos de minorias, tais como homossexuais, idosos, mulheres, deficientes físicos e crianças...”.
Essa liminar foi realmente um marco, porque foi acatada a imposição da contrapropaganda. O que aconteceu: a emissora não cumpriu a liminar, foi determinado o corte do sinal de transmissão e ai sim, conseguiu-se um acordo judicial, que o Ministério Público firmou junto à emissora em Juízo, em que foi determinada a contrapropaganda, houve, se não me engano, trinta programas, sobre a não discriminação, pagos pela emissora, ficou estabelecida uma verba de indenização, de pagamento de dano moral, então foi um grande êxito que nós verificamos nessa questão da comunicação social, porque nem sempre conseguimos êxito com a propositura de ações civis públicas.
Ação Civil Pública (PR/SP) - em face da Rede TV e União – ano 2009 – Programa “Superpop”. Outro exemplo, de 2009, a colega Eugênia Fávero, em São Paulo, programa “Super Pop”, Rede TV e União. Eu gostaria que vocês reparassem que também na anterior, relativa ao programa de João Kleber, a União também consta como Ré. Nesse programa também foi constatado conteúdo discriminatório em relação à mulher e banalização de sua imagem. Um dos quadros é um desfile de lingerie e fica nítido que a lingerie não é a finalidade do programa, com comentários totalmente discriminatórios a mulher. Este caso encontra-se ainda em instrução, na fase de produção de provas.
Inquérito Civil Público – MPF (PR/SP) – ano 2010 – sobre campanhas publicitárias de cunho racista e sexista – Cervejaria Devassa/Schincariol. Esse exemplo também muito interessante, do colega Jefferson Aparecido Dias, de São Paulo, ano de 2010, relativo a campanhas publicitárias de cunho racista e sexista da cervejaria Devassa, do Grupo Schincariol. Foi feita uma reunião pelo colega em São Paulo com a empresa e os Representantes, que são o “Observatório Negro”, o “Com Negras” e estabeleceu-se a realização de dois seminários, um em São Paulo e um em Recife, para que juntos chegassem a uma conclusão do que seria para a melhoria disso, nesse meio tempo também foi juntada uma publicidade que o grupo fez na Veja pelo dia da Consciência Negra, e agora encontra-se em fase de manifestação, vai ser expedido um ofício para o Observatório Negro se manifestar sobre estes seminários que ocorreram. Então é uma via interessante de atuação, porque acho que é com isso que se consegue construir e avançar; a conscientização e uma congregação de esforços que vai resultar com certeza num ponto positivo, nesse aspecto.
Ação Civil Pública MPF (PR/RJ) em face da Globo – ano 2005 – Novela A Lua Me Disse. Esse exemplo é de uma ação que eu propus no Rio de Janeiro, em 2005, relativo a novela A Lua Me Disse. Havia tanto o descumprimento da classificação indicativa quanto a questão etária e horária, mas também o conteúdo discriminatório dos povos indígenas, uma personagem mulher, que era uma empregada doméstica, que sofria diariamente um reiterado tratamento constrangedor, preconceituoso, pela sua característica, sua etnia como indígena. Nós recebemos dois laudos antropológicos de analistas periciais do Ministério Público Federal que reiteraram e deixaram constatada essa discriminação, propusemos a ação, conseguimos liminar, mas foi cassada no tribunal, que era justamente para não houvesse esse tipo de situação em relação à personagem e também que fosse vinculada uma mensagem ao final de cada capítulo relativa ao fato. Mas foi cassada no tribunal, o Juiz deu a sentença pela improcedência por falta de provas sem ter aberto prazo para provas, daí eu recorri, o tribunal anulou a sentença e agora estamos em fase de provas. Na verdade, no nosso entendimento, o dano moral coletivo não necessita de perícia, nesse caso isso foi uma situação em que teve que ser pedida porque já de plano o juiz entendeu que não haveria prova e julgou improcedente, então ela está em fase de perícia antropológica e de psicologia.
ACP MPF (PR/RJ) em face da Globo – ano 2006 – novela Cobras e Lagartos. A Novela Cobras e lagartos também foi uma ação que foi proposta no Rio de Janeiro, era mais o enfoque da classificação indicativa mas também havia um conteúdo discriminatório, também foi julgada improcedente por não comprovação do dano moral coletivo, já com acórdão transitado em julgado. É importante ressaltar que eu estou mencionando ações de cunho discriminatório, mas há diversas ações pelo país, do Ministério Público Federal, relativas também ao descumprimento da classificação indicativa e descumprimento de fuso horário pelas emissoras. Mas como o tema não era esse eu me ative a esses exemplos.
Ação Civil Pública MPF (PR/DF) e sociedade civil – em face da Globo – ano 2006 – Programa Zorra Total. Coloquei um exemplo de discriminação a homossexuais, uma ação proposta em Brasília, em 2006, pelo programa Zorra Total ter quadros de estereótipos e incitação à violência a homossexuais, mas pelo andamento recente foi julgada improcedente e está em fase de apelação.
Ação Civil Pública MPF (PR/SP) e sociedade civil – em face da Record/Rede Mulher – ano 2004 – programas religiosos com enfoques negativos sobre religiões de matriz africana, com cunho discriminatório. Uma outra ação civil pública foi proposta pela colega Eugênia em São Paulo, relativa a programas religiosos com enfoques negativos sobre religiões de matriz africana, com cunho discriminatório. Essa ação teve um desfecho muito diferente dos outros, houve a exclusão da União e remessa a uma das varas Criminais da Justiça Estadual. Eu conversei com a colega Eugênia, foi por ter-se entendido se tratar de uma empresa privada. Então é um desfecho não comum nos nossos pleitos judiciais.
Termo de Ajustamento de Conduta MPF (PR/SP) com a Record – ano 2009. Um outro exemplo interessante é um Termo de Ajustamento de Conduta, porque nem sempre as emissoras se dispõem a assinar um termo de ajustamento de conduta. Assinado em São Paulo no ano de 2009, isso foi por causa da exposição de uma criança com leucemia num determinado programa, por trinta minutos. Dentre as cláusulas do acordo ficou a observação da não discriminação em razão de etnia, raça e etc.
INTERNET. Achei relevante citar também alguns exemplos na internet, porque hoje a programação televisiva talvez seja uma das mídias que a criança e o adolescente talvez menos assistam hoje em dia. Então a internet está na ordem do dia. Os MPF em São Paulo e no Rio de Janeiro fizeram termos de compromisso de integração operacional com provedores dos seus respectivos estados que concordaram em assinar. Nesses termos, a importância é que eles se comprometem a avisar os usuários que não podem se utilizar dos sítios eletrônicos para fins de discriminação, tem toda uma conscientização sobre isso, no contrato, também, quando há essa habilitação para o uso do provedor há essa informação e também os provedores se comprometem a informar o Ministério Público Federal sobre as notícias que recebam de situações discriminatórias veiculadas pela internet.
Também vem sendo organizados pelo Ministério Público Federal junto com a ONG SAFERNET, em São Paulo e no Rio de Janeiro, oficinas que visam capacitar educadores de escolas públicas ou privadas, para que possam repassar aos seus alunos a importância do comportamento que eles devem ter na internet, tanto para fins de proteção, mas também para que saibam que discriminação é crime, que eles não podem escrever o que querem na internet, hoje tem a questão do bullying mais forte do que nunca, por causa da internet, então é um trabalho preventivo, é um trabalho que estamos tentando fomentar em termos de educação e que acho que vai dar bons frutos pelo que nós temos visto do interesse dos educadores nessas oficinas.
Avanços Necessários. O que coloquei, resumidamente, como avanços necessários, obviamente não se esgotam nisso, mas achei que são os mais relevantes para falar aqui hoje:
  • Efetivação da fiscalização do cumprimento da legislação quanto à não discriminação pelas concessionárias de serviço público, a ser feito pela União, no caso, o Ministério das Comunicações.
O que acontece: hoje, o DEJUS, que é o Departamento de Justiça e Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, faz um excelente trabalho desse monitoramento, mas a atribuição deles é relativa à classificação indicativa, etária e a horária. Mas, nessa análise do monitoramento, eles também fazem constatações, se houve um tratamento degradante, humilhante, eles sinalizam, apesar de não ser atribuição deles essa questão. Então, nós entendemos isso como um material extremamente relevante, para que o Ministério das Comunicações use disso, para que possa, dentro de sua atribuição, que é a Secretaria de Comunicação Eletrônica, efetuar o controle do artigo 221 da Constituição Federal. O que nós observamos hoje é que o artigo 221 está praticamente uma letra morta, porque quando não há uma ação judicial, uma atuação do Ministério Público, não se vê, pelo poder público, uma atuação que nos encaminhe aquilo, a não ser o DEJUS, porque realmente eles realmente têm uma atuação em parceria com o Ministério Público Federal. Então eu lamento hoje a ausência de representante do Ministério das Comunicações, apesar de convidado, porque eu acho que é a ponta que falta para que se possa fazer o quê, qual a relevância disso, porque temos ações, a União também consta como Ré – recentemente numa outra ação que eu propus a União até disse que não tinha interesse na ação-, então é importante que se entenda que é um serviço público federal, é uma concessão, não está solta no mundo. E com esse trabalho o que seria relevante e que nós pelo GT tentamos implementar e ainda não conseguimos: um fluxo DEJUS/Ministério das Comunicações, para receber esse material e a partir dai instaurar os seus procedimentos administrativos e poder aplicar as penalidades administrativas ou encaminhar para penalidade judicial, que é a questão da cassação da concessão. Ou, mais relevante ainda, para que no momento da renovação da concessão, tenha-se um histórico daquela emissora, relativo a essas violações, para que possa não haver uma renovação automática, mas sim uma renovação com consciência, e com isso certamente as emissoras passariam a ter muito mais cuidado na veiculação de determinados conteúdos. Então é isso que eu acho que está hoje faltando, e isso está na pauta do GT como uma persistente atuação para que possamos avançar nisso e o auxílio da sociedade e dos órgãos que têm interesse no tema seria muito relevante, para a gente poder atuar em conjunto.
  • A ativação do Conselho de Comunicação Social
A ativação do Conselho de Comunicação Social seria também um ponto extremamente relevante, porque também faria esse papel do controle social na renovação da concessão. Apesar de previsto na Constituição Federal e da Legislação, ele não está … e hoje tramita um requerimento da Deputada Luiza Erundina, perante a Procuradoria Geral da República, justamente uma Representação para que haja essa implementação do Conselho, no Congresso Nacional.
  • Educação
É óbvio que não se pode falar em comunicação social e de mudança sem que falemos em educação. Claro está que não podemos deixar as emissoras, a comunicação social como um todo, livre e sem cumprir o seu dever previsto na legislação, porque a comunicação social impõe padrões de comportamento, impõe padrões de imagem, que são ás vezes maléficos para a crianças e adolescentes que não têm a consciência. Agora, é óbvio que as emissoras se pautam na audiência, à medida que consigamos construir cidadãos que não deem audiência, não sirvam de “plateia” para esse tipo de programação, é óbvio que, com o tempo, esperamos que isso se dilua, e as próprias emissoras vão acabar revendo esse contexto.
Falou-se muito da lei 10. 639, é um tema que nós temos atuação no Rio de Janeiro em relação a escolas federais, estamos atuando com o Ministério Público Estadual, que está tratando das demais escolas e a ideia é fazer uma audiência pública ou um seminário sobre isso para que possamos evoluir. O MEC, nas demandas que eu fiz, eu achei que teve um crescimento na avaliação do que as escolas vinham fazendo e acho que o MEC pode nos auxiliar nessa capacitação, que às vezes a própria escola não sabe como cumprir. Foi, na minha experiência, o que eu cheguei à conclusão e acho que nós podemos auxiliar nesse sentido.
Então, é resumidamente isso que eu gostaria de passar para os/as senhores/as e acho que é importante essa união de esforços Ministério Público, Poder Público Federal e Sociedade Civil.

27. A PFDC agradece a exposição da colega Dra Márcia Morgado, procuradora dos Direitos do Cidadão no Estado do Rio de Janeiro e convida a procuradora de Justiça, coordenadora do GT Racismo/Pernambuco, Dra Maria Bernadete de Azevedo Figueiroa, para sobre a experiência do GT Racismo em Pernambuco.

28. Exposição: A experiência do GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco - Maria Bernadete M. de Azevedo Figueiroa - Procuradora de Justiça – MPE/PE. Coordenadora do GT - Racismo

Boa tarde a todas e a todos. Quero em primeiro lugar reiterar em público meu agradecimento ao convite formulado pela minha querida colega Gilda Carvalho, de fazer esta interface com tantas instituições, por intermédio do Ministério Público Federal, e agradecer a estas pessoas que heroicamente estão resistindo para continuar aqui contribuindo, é um agradecimento fundamental, essas pessoas que ainda conseguem permanecer aqui nos escutando, e agradecer também aquelas que saíram porque tiveram necessidade, é evidente.
Quando a Dra Gilda me convidou para essa Audiência Pública, eu fiz questão de falar para ela que esse trabalho do GT Racismo, embora ele faça o recorte de gênero, mas o enfoque mais constante, mais contínuo é em relação à questão racial mesmo. Mas, como se trata de uma Audiência Pública, e nós estamos finalizando essa Audiência, que se propõe justamente a ouvir as instituições governamentais, não governamentais, os movimentos sociais, e aqui compareceram representantes do movimento negro, representantes da sociedade civil de um modo geral, das mulheres, então eu acho que esse momento é um momento importante para pensarmos no quão a gente pode subsidiar o Ministério Público Brasileiro, para implementar essas discussões que estão sendo formuladas e discutidas.
Eu gosto de trazer à tona sempre a legislação que inaugurou o marco legal brasileiro com relação às questões raciais, que é a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965 (21.12.65), ratificada pelo Brasil 1968 (27.03.68), que traz o conceito de Discriminação como:
Significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico social, cultural ou qualquer outra área da vida publica.”
É sempre bom a gente recortar essa legislação, porque, principalmente para nós operadores do direito, e para a sociedade como um todo, é bom que se saiba que toda essa discussão ela tem um substrato legal, ela tem um fortalecimento institucional da ordem jurídica brasileira, incorporada através de vários instrumentos legais, que possibilita essa discussão. Então é importante saber que a lei existe porque ela é um instrumento legal que pode ser utilizado inclusive pelo cidadão. Porque a gente não caiu de paraquedas aqui, não é porque de repente todo mundo resolveu se sensibilizar com a população negra. É porque existe toda uma história que foi construída pelo movimento social negro do Brasil e do mundo, e que hoje repercute favoravelmente a todas essas ações.
Na esteira das legislações internacionais, relembrando aqui a II Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, de 2001, na África do Sul, e a Declaração Facultativa à Convenção, que o Brasil assinou também, de 2003 (12.06.2003), reconhecendo a competência do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, para receber, analisar e processar denúncias contra violação de direitos humanos. Inclusive o que possibilitou aquela ação da Simone lá de São Paulo, que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por Discriminação pelas instituições brasileiras, e leia-se Ministério Público, Magistratura e Polícia, que não deram o devido encaminhamento à violação discriminatória sofrida por aquela cidadã de São Paulo.
      Eu trago à tona também, porque eu acho que foi muito falado aqui e é fundamental que se pense nessa lei como um instrumento fundamental e básico para se trabalhar o racismo brasileiro, a Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003 – que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, porque alterou a Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Lei n. 9394/96). E Lei 11645/08 que inclui a cultura indígena. Então essa lei, o movimento negro do Brasil coloca como uma ação fundamental para que transforme as relações raciais no Brasil, não apenas pela questão da abordagem teórica, de conteúdo de ensino, mas também porque possibilita a discussão das relações raciais, do reconhecimento de uma identidade, do pertencimento e da história de cada cidadão e cidadã afrodescendente.
Então, como já foi dito aqui, não obstante a existência desse aparato legal favorável à garantia do direito à saúde, à educação, a uma série de direitos que são assegurados por nossa legislação, em face da cristalização de valores e práticas individuais e institucionais, essas práticas dificultam a implementação de políticas afirmativas para a população negra no Brasil. E quando eu falo em práticas institucionais eu me refiro, eu estou aqui fazendo um recorte também bem específico em relação ao sistema de justiça e segurança, porque nós somos primordialmente os agentes políticos, agentes públicos encarregados de implementar as leis, daí a grande responsabilidade do Ministério Público Brasileiro, da Magistratura, do Sistema de Justiça e Segurança como um todo. Eu não vou repetir as atribuições do Ministério Público, que está na Constituição.
Eu estou aqui para trazer essa experiência do que tem sido esse trabalho do GT Racismo. Então eu coloquei a pergunta: porque a criação de grupo de combate a racismo no âmbito do Ministério Público, que existe desde 2002, por ato do Procurador-Geral (Portaria PGJ nº 542/2002 - MP/PE). Inicialmente foi percebida a grande dificuldade dos colegas se darem conta do dano grave, da grave violação de direitos que é o racismo. Então foi preciso que se fizesse uma discussão para que o Ministério Público de Pernambuco - eu falo de um modo coletivo, mas individualmente, principalmente os promotores que estão na ponta , na cidadania – percebesse que isso era uma violação de direitos grave, que precisava ser enfrentada. Por que como temos inúmeras e diversas atribuições, isso sempre era visto como uma coisa que estava em último lugar, uma atuação menos importante ou quase que desnecessária, porque “o racismo não existe”, entre aspas, nós somos uma “democracia racial” e o Ministério Público não tem que se preocupar com uma “coisa que não existe”, que é o racismo brasileiro. Daí a discussão ter sido necessária.
Então foi preciso discutir o Racismo Institucional; a necessidade de ver, admitir, capacitar; estimular os integrantes do MP/PE a definir estratégias de atuação e buscar soluções para promover a inclusão social e econômica; estudar a formulação e fazer o acompanhamento da execução de políticas de ação afirmativa. Então, dentro dessa perspectiva, o GT Racismo vem desenvolvendo ao longo desses quase nove anos de trabalho – vai completar, no dia dez de dezembro, nove anos - nós temos realizado muitas ações com esse desiderato. E é bom que se diga, como Márcia realçou, o GT Racismo, eu costumo dizer que é um “bico” dentro do Ministério Público, porque a gente tem tantas atribuições, cada um na sua área, temos que arrumar um tempo para fazer este trabalho, porque é uma coisa que a gente tem que fazer. Porque além de ser o dever da gente, temos que fazer esse olhar, e trazer as pessoas para junto para dar essa sequencia, porque é o nosso papel institucional. Mas é quase como uma missão, porque é tão difícil minha gente, é tão difícil trabalhar racismo, é tão difícil que é como uma missão. E eu me lembro de Ariano Suassuna quando ele diz assim: “o que é ruim de passar é bom de contar”. É o nosso querido Ariano, lá de Pernambuco. O que é ruim de passar é porque é difícil mesmo, então a gente conta, é tão bonito, a criação do GT, mas é uma história de muito trabalho mesmo. Mesmo porque, quem for fazer tem que enfrentar, tem que encarar os obstáculos, que são inúmeros, até hoje é assim. Claro que nós lá já nos consideramos no melhor dos mundos, em relação ao que começou. Temos um universo já de mais de 150 promotores que passaram por capacitações e sensibilização, que já avançaram muito nessa discussão, hoje em dia no Ministério Público de Pernambuco todo mundo sabe o que é racismo, que ele existe - porque tem muita gente que não sabe – que é preciso ser enfrentado, que é preciso que as pessoas denunciem.
Ações do GT Racismo:
  • Realização de Audiências Públicas com a participação do Movimento Social Negro – desde o início e até hoje - e das demais instituições do Sistema de Justiça e Segurança;
  • Criação de Grupo de Estudo sobre a temática racial;
Nós nos reunimos sistematicamente. Atualmente estamos debruçados sobre o Estatuto da Igualdade racial, para que possamos nos aprofundar, discuti-lo e implementá-lo com mais propriedade;
  • Realização de eventos pelo MP em todas as datas significativas para o combate ao racismo
Nós não perdemos nenhuma dificuldade de fazer um evento, focado na discussão racial, como por exemplo caminhada no Dia da Consciência Negra, inúmeros seminários, recentemente tivemos contação de história africana para as crianças das escolas públicas e os filhos dos funcionários, na biblioteca do Ministério Público, foi lindo, um dia dentro das comemorações no mês da Consciência Negra. Organizamos também o lançamento dessa campanha de combate aos crimes de racismo, no dia 4 de novembro, abrindo as comemorações do Mês da Consciência Negra no Ministério Público, inclusive com a presença da Ministra Luiza Barrios. Essa campanha de combate aos crimes de racismo foi construída desde o início e teve a participação constante da Polícia Civil e a Militar, que já tem também um GT Racismo criado com esse propósito, então foi feita uma construção em conjunto porque nós sabemos que não adianta fazer a nossa parte se não vier o encaminhamento correto da polícia, por exemplo. Porque se não vier o inquérito já próprio, se virar TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) de início, e ao TCO não se der o encaminhamento, enfim foi feito um trabalho em conjunto e vai continuar sendo feita essa parceria com a Polícia Militar em relação aos crimes de racismo.
  • Realização de oficinas de sensibilização com membros e servidores do MPPE em parceria com PNUD (2006) e SEPIR (2010) ;
Fizemos quatro oficinas o ano passado em várias regiões do Estado de Pernambuco.
  • Formação de plano de atuação por Promotoria de Justiça, com fixação de ações e metas;
Isso surgiu a partir das oficinas de 2010, foi muito interessante, os promotores mesmos apresentaram propostas de como implementar a lei, como enfrentar o crime de racismo, como trabalhar as comunidades quilombolas, temos mais de cem comunidades quilombolas no nosso Estado. Realizamos inclusive Audiência Pública em Agosto de 2009 com mais de cem lideranças quilombolas – todas as lideranças quilombolas do Estado de Pernambuco estavam presentes nessa Audiência Pública, tivemos até a presença de dois procuradores da República da região de Serra Talhada - e foi riquíssima essa construção, houve muitas continuidades dessa Audiência Pública, do que foi posto pelas lideranças, através dos promotores da região.
  • Interface com o Movimento Negro e gestores públicos (saúde, educação, defesa social);
  • Suporte técnico para os Promotores de Justiça.
Porque, também lembrando o que Márcia falou, o GT não é um órgão de execução, ele é um órgão de coordenação e acompanhamento, ele subsidia os promotores nas promotorias onde eles estão sobre as questões raciais. Somos muito solicitados, por sinal, para dar esse aporte, devido às inúmeras atribuições que cada um tem e às especificidades da questão racial.
Ações das Promotorias de Justiça ( ações de execução)
  • Intervenção para concessão de aposentadoria dos quilombolas como trabalhadores rurais;
Foi uma ação muito interessante. Eles não tinham direito à aposentadoria porque não eram considerados trabalhadores rurais, porque não tinham carteira assinada e nem tinham a propriedade da terra, dai a grande dificuldade, foi conseguido através de diálogo com o próprio INSS, foi baixada uma Resolução que acabou possibilitando esta aposentadoria dos quilombolas.
  • Intervenção para implantação de PSF's (programa saúde da família) nas comunidades quilombolas, onde não existia;
  • Intervenção para garantia de direitos fundamentais mínimos como acesso à água;
Porque em algumas comunidades do sertão de Pernambuco não tinha nem água potável.
  • Intervenção para promover a regularização fundiária;
Intervenção em interface, junto com o Ministério Público Federal, pois a atribuição é do MPF.
  • Intervenção para garantir a liberdade religiosa;
  • Realização de campanhas institucionais (de combate ao racismo institucional, de enfrentamento à impunidade nos crimes de racismo);
  • Participação nos Congressos estaduais e nacionais do Ministério Público com teses sobre o tema racial;
  • Incentivo à criação de GT-Racismo em outras instituições governamentais (Polícias Civil e Militar);
  • Inserção do enfrentamento ao Racismo Institucional no Planejamento Estratégico do MPPE.
    Eu deletei alguns slides para apressar o tempo, mas ficou um assunto que gostaria de refletir que é a questão da mortalidade da juventude negra. Pernambuco tem um programa que chama “Pacto pela Vida”, e de 2008 para cá vem caindo o número de homicídios em Pernambuco, embora nesses dois últimos meses tenha aumentado um pouco, mas sempre em relação à população branca, e aumentado sistematicamente em relação à população negra. E isso não é só em Pernambuco, estou trazendo os dados do meu Estado. Então, o plenário do Conselho Nacional de Segurança Pública divulgou recentemente, com base no Mapa da Violência de 2011, mostrando, por exemplo que, em Pernambuco, em 2008 foram assassinados 126% de mais jovens negros do que brancos, e isso está acontecendo no Brasil todo, uma Recomendação.
Essa Recomendação, em face desses resultados, reconhece como grave a situação da segurança pública no país, tendo como emblemática o crescente número de homicídios e encarceramento dos jovens negros, apontando de modo inequívoco, para as raízes socioeconômicas e étnico-raciais dessa realidade, como resultado do racismo histórico que a sociedade brasileira inflige a esse segmento. Leva em consideração que a probabilidade de morte de um negro, entre 15 e 24 anos, é de 127,6% maior do que a de um branco na mesma faixa etária. Recomenda que sejam instituídos, no prazo de 30 dias – eu não sei se foi instituído, mas não me consta, foi uma Recomendação de 2011 do Conselho Nacional de Segurança Pública - , mecanismos do tipo agenda conjunta, (Ministério das Justiça, SEPPIR, Secretaria Nacional da Juventude, Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, etc) visando a busca de soluções e definição de responsabilidades setoriais em relação a políticas públicas de combate a violência letal contra a juventude negra.
E não me consta que tenha havido manifestação nesse sentido. É isso que eu gostaria de lembrar aqui, a gente precisa saber o que foi feito com essa recomendação. Nós precismos questionar, inclusive enquanto Ministério Público Federal e dos Estados.
Eu estou fazendo uma conclusão que eu chamaria de sugestão, também, mas é uma coisa muito, até certo ponto muito singela, diante de todas as questões que foram colocadas aqui e sugestões importantes que foram dadas. Eu gostaria de realçar uma coisa que para mim é muito clara: que a dificuldade de se implementar toda essa legislação maravilhosa que existe, antirracista, devido ao racismo institucional que impera, que é justamente essa maneira de interpretar a lei como se todos fossem iguais perante a lei e que na hora que você vai apresentar uma demanda que atinge, especificamente, determinado segmento, esse cidadão concreto - como Bobbio chamava - o cidadão negro, o cidadão idoso, a cidadão mulher, esse direito de todos perante a lei é tido como um impedimento, como um empecilho para implementar uma ação concreta em favor desses grupos vulneráveis . Na minha opinião – e isso a gente descobriu também através de pesquisa feita no Ministério Público de Pernambuco – o racismo institucional ele impede, é um dado concreto que tem que ser enfrentado. A gente tem que discutir isso, o Ministério Público, as Instituições Públicas. Eu falo de Ministério Público e Magistratura porque nós temos a obrigação maior de implementar a lei, de interpretar a lei, de fazer a leitura crítica da lei. Então, nós não fomos acostumados com isso, nós fomos acostumados a essa mentalidade liberal de que todos são iguais. Então é difícil, a gente identificou isso nessa pesquisa, de ainda há essa cultura de que todos são iguais, é muito forte isso, a gente passou a vida inteira lidando com isso. Então, por isso é preciso que:
Conclusão
Em face das evidências de que a legislação específica não tem sido suficiente para implementar as mudanças constantes dos compromissos assumidos pelo Brasil nas Conferências Mundiais, e considerando o papel constitucional do Ministério Público Brasileiro, é necessário que se criem estratégias institucionais que possibilitem a reflexão sobre o assunto: essas novas demandas, esses novos direitos. Tais como criação de grupos de trabalho, discussão, capacitação e sensibilização de membros e servidores para uma atuação mais adequada às urgentes demandas da sociedade.
Então, eu deixo isso aqui a título de proposta, de reflexão, porque há uma resistência muito grande na nossa área de justiça, a magistratura então nem se fala, é ainda mais resistente. Mas eu acho que a gente tem que fazer o dever de casa, eu costumo dizer isso, gente é que tem o papel, inclusive de cobrar da magistratura, mas se agente não fizer a nossa parte a gente não se habilita a reivindicar às outras instituições governamentais principalmente. Eu acho que como Ministério Público Brasileiro nós temos que estar a serviço desses novos direitos, a serviço dessa legislação e dessas demandas que são postas pelos movimentos sociais. Lembrando, inclusive, para finalizar, que na condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos do Estado Brasileiro em relação ao caso de Simone, relembra as recomendações do Relatório da Comissão que diz o seguinte (recomendando ao Brasil, para uma cobrança posterior, porque foram os compromissos assumidos na Plataforma de Durbhan):
  • Adotar e instrumentalizar medidas de educação dos funcionários de justiça e de polícia, a fim de evitar ações que impliquem em discriminação nas investigações, no processo ou na condenação civil ou penal, nas denúncias de discriminação racial e racismo;
  • Promover o encontro com organismos representantes da imprensa brasileira, com a participação de varias entidades, para que sejam abordadas as questões tratadas na conferência;
  • Organizar seminários estaduais com representantes do poder judiciário e ministério público, secretarias de segurança pública locais, com o objetivo de fortalecer a proteção contra a discriminação racial e o racismo;
  • Solicitar aos governos estaduais a criação de delegacias especializadas na investigação de crimes de racismo e discriminação racial;

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